A MÁSCARA DA
NOITE
Sim, essa
tarde conhece todos os meus pensamentos
Todos os
meus segredos e todos os meus patéticos anseios
Sob esse céu
como uma visão azul de incenso
As estrelas
são perfumes passados que me chegam...
Sim! essa
tarde que eu não conheço é uma mulher que me chama
E eis que é
uma cidade apenas, uma cidade dourada de astros
Aves, folhas
silenciosas, sons perdidos em cores
Nuvens como
velas abertas para o tempo...
Não sei,
toda essa evocação perdida, toda essa música perdida
É como um
pressentimento de inocência, como um apelo...
Mas para que
buscar se a forma ficou no gesto esvanecida
E se a
poesia ficou dormindo nos braços de outrora...
Como saber
se é tarde, se haverá manhã para o crepúsculo
Nesse entorpecimento,
neste filtro mágico de lágrimas?
Orvalho,
orvalho! desce sobre os meus olhos, sobre o meu sexo
Faz-se
surgir diamante dentro do sol!
Lembro-me!...
como se fosse a hora da memória
Outras
tardes, outras janelas, outras criaturas na alma
O olhar abandonado
de um lago e o frêmito de um vento
Seios
crescendo para o poente como salmos...
Oh, a doce
tarde! Sobre mares de gelo ardentes de revérbero
Vagam
placidamente navios fantásticos de prata
E em grandes
castelos cor de ouro, anjos azuis serenos
Tangem sinos
de cristal que vibram na imensa transparência!
Eu sinto que
essa tarde está me vendo, que essa serenidade está me vendo
Que o
momento da criação está me vendo neste instante doloroso de sossego em mim
mesmo
Oh criação
que estás me vendo, surge e beija-me os olhos
Afaga-me os
cabelos, canta uma canção para eu dormir!
És bem tu,
máscara da noite, com tua carne rósea
Com teus
longos xales campestres e com teus cânticos
És bem tu!
ouço teus faunos pontilhando as águas de sons de flautas
Em longas
escalas cromáticas fragrantes...
Ah, meu
verso tem palpitações dulcíssimas! - primaveras!
Sonhos
bucólicos nunca sonhados pelo desespero
Visões de
rios plácidos e matas adormecidas
Sobre o
panorama crucificado e monstruoso dos telhados!
Por que
vens, noite? por que não adormeces o teu crepe
Por que não
te esvais - espectro - nesse perfume tenro de rosas?
Deixa que a
tarde envolva eternamente a face dos deuses
Noite,
dolorosa noite, misteriosa noite!
Oh tarde,
máscara da noite, tu és a presciência
Só tu conheces
e acolhes todos os meus pensamentos
O teu céu, a
tua luz, a tua calma
São a
palavra da morte e do sonho em mim!
(Vinícius de
Moraes faleceu faz hoje 34 anos)
Sem comentários:
Enviar um comentário