Ofício de
trevas - Poema XXIV
É preciso
que tragam a bandeira
É preciso
que alguém vá até ao fim da noite
e desenterre
a bandeira
Se já não
tiver mãos
que rasgue a
terra com os dentes
mas que
traga a bandeira
Se já não
tiver dentes
que afunde
os olhos nessa terra
e lhe
arranque a bandeira
que nela
está sepulta
É preciso
que os tambores anunciem a chegada da bandeira
Se não
houver tambores
que os
mortos se alevantem
e façam
rufar seus ossos
em sol
altíssimo à chegada da bandeira
Iluminem
Iluminem Iluminem o caminho da bandeira
Se as nuvens
de baionetas forem trevas no caminho da bandeira
que
incendeiem a noite com as pedras da rua
mas que haja
luz à passagem da bandeira
para que os
olhos vazados vejam a bandeira
para que as
bocas rasgadas cantem a bandeira
para que os
ferros caiam à passagem da bandeira
Carlos Maria de Araújo
(poeta português 1921-1962)
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