Lição de
Escuridão
Caboclo
companheiro meu de várzea,
contigo cada
dia um pouco aprendo
as ciências
desta selva que nos une.
Contigo, que
me ensinas o caminho dos ventos,
me levas a
ler, nas lonjuras do céu,
os recados
escritos pelas nuvens,
me avisas do
perigo dos remansos
e quando
devo desviar de viés a proa da canoa
para varar
as ondas de perfil.
Sabes o nome
e o segredo de todas as árvores,
a paragem
calada que os peixes preferem
quando as
águas começam a crescer.
Pelo canto,
a cor do bico, o jeito de voar,
identificas
todos os pássaros da selva.
Sozinho (eu
mais Deus, tu me explicas),
atravessas a
noite no centro da mata.
corajoso e
paciente na tocaia da caça,
a traição
dos felinos não te vence.
Contigo
aprendo as leis da escuridão,
quando me
apontas na distância da margem,
viajando na
noite sem estrelas,
a boca
(ainda não consigo ver) do Lago Grande
de onde me
fui pequenino e te deixei.
De novo no
chão da infância,
contigo
aprendo também
que ainda
não tens olhos para ver
as raízes de
tua vida escura,
não sabes
quais são os dentes que te devoram
nem os cipós
que te amarram à servidão.
Nos teus
olhos opacos
aprendo o
que nos distingue.
Já repartes
comigo a ciência e a paciência.
Quero
contigo repartir a esperança,
estrela
vigilante em minha fronte
e em teu
olhar apenas um tição
encharcado
de engano e cativeiro.
(poeta amazonense
que hoje faz 88 anos)
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