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sexta-feira, janeiro 10, 2014

SALMO
                                               a João Bigotte Chorão.
Estou morto.

Mas a vida
lambe a minha pele em labaredas.
Sou noite.
Mas o dia
põe-me nos lábios papoilas
e coroa-me de espigas o cabelo.
Ceguei.
Mas a luz
vem poisar-me sobre as pálpebras
outras tantas borboletas inquietas.
Não oiço.
Mas o eco do silêncio
canta o hino imenso que eu não posso.
Não respiro.
Mas aspiro o alento
da maresia no vento.
Não sinto.
Mas pressinto: a minha alma arde
e uma chaga floriu na minha carne.
Não choro.
Mas tremem estrelas cadentes
nas lágrimas pendentes que sustenho.
Não canto.
Mas sopro nuvens
no pó que levanto.
Não ando.
Mas todo o meu espírito
vadia sem folga nem descanso.

Não durmo.
Hiberno: verme     esvurmo limo e lama
no fosso em que me enfurno
aninho e faço a cama.
Não amo.
Sobre a seta quebrada no meu peito
raiva uma fonte de sangue
a incendiar a sede     a incinerar a fome
dos homens     dos bichos     das florestas.
Não sonho.
Mas a fé
faz da esperança e da saudade
sentinelas do sepulcro
onde     vivo     o meu coração jaz
pisado por cavalos em tumulto.

Estou morto.

Mas o sol explode
a luz esplende
em plena primavera
neste corpo

que me prende

e me suspende

absorto.

Fernando Pinto Ribeiro

(poeta egitaniense nascido a 10 de Janeiro de 1928)

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