Outro
Testamento
Quando eu
morrer deitem-me nu à cova
Como uma
libra ou uma raiz,
Dêem a minha
roupa a uma mulher nova
Para o
amante que a não quis.
Façam coisas
bonitas por minha alma:
Espalhem
moedas, rosas, figos.
Dando-me
terra dura e calma,
Cortem as
unhas aos meus amigos.
Quando eu
morrer mandem embora os lírios:
Vou nu, não
quero que me vejam
Assim puro e
conciso entre círios vergados.
As rosas
sim; estão acostumadas
A bem cair
no que desejam:
Sejam as
rosas toleradas.
Mas não me
levem os cravos ásperos e quentes
Que minha
Mulher me trouxe:
Ficam para o
seu cabelo de viúva,
Ali, em vez
da minha mão;
Ali, naquela
cara doce...
Ficam para
irritar a turba
E eu
existir, para analfabetos, nessa correcta irritação.
Quando eu
morrer e for chegando ao cemitério,
Acima da
rampa,
Mandem um
coveiro sério
Verificar,
campa por campa
(Mas é
batendo devagarinho
Só três
pancadas em cada tampa,
E um só
coveiro seguro chega),
Se os mortos
têm licor de ausência
(Como nas
pipas de uma adega
Se bate o
tampo, a ver o vinho):
Se os mortos
têm licor de ausência
Para
bebermos de cova a cova,
Naturalmente,
como quem prova
Da lavra da
própria paciência.
Quando eu
morrer. . .
Eu morro lá!
Faço-me
morto aqui, nu nas minhas palavras,
Pois quando
me comovo até o osso é sonoro.
Minha casa
de sons com o morador na lua,
Esqueleto
que deixo em linhas trabalhado:
Minha morte
civil será uma cena de rua;
Palavras,
terras onde moro,
Nunca vos
deixarei.
Mas quando
eu morrer, só por geometria,
Largando a
vertical, ferida do ar,
Façam, à
portuguesa, uma alegria para todos;
Distraiam as
mulheres, que poderiam chorar;
Dêem vinho,
beijos, flores, figos a rodos,
E levem-me -
só horizonte - para o mar.
(Vitorino
Nemésio nasceu faz hoje 111 anos)
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