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quinta-feira, dezembro 27, 2012

MORRER SIM (MAS DEVAGAR?)

O morto quando se esforça é uma arte em si.
Não queria exércitos e relâmpagos e lâminas
para expulsar a morte? Ao menos bombardear
a coutada das viúvas? As suas piscinas poderosas?
Mas a morte é a única coisa que se herda.
Por trás de cada um entre as pausas do choro
desabrocham os primeiros breves sorrisos. Não
há morto que escape a rirmo-nos dentro dele.
Morrer é uma forma de se ser outra vez notícia.
Por trás de cada morto erguem-se de súbito
décadas de rostos esquecidos. Cada morte pode
alterar os ares e os rios. Sobretudo a palavra
com que é dita. De que valeria ser poeta num
tempo destes? Cantar uma mulher deitada
a abrir-se? O morto existe. Comecei a dar-lhe nomes:
árvore de cinzas ou flor evaporada tanto faz.
O olfacto e o ouvido detinham-se inquietos
mobilizados noutras fronteiras e a minha
mente traduzia: é o aroma da terra
o sabor da maçã o estrépito dos autocarros.


(poeta amarantino nascido a 27 de Dezembro de 1923)

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