MORRER SIM
(MAS DEVAGAR?)
O morto
quando se esforça é uma arte em si.
Não queria
exércitos e relâmpagos e lâminas
para
expulsar a morte? Ao menos bombardear
a coutada
das viúvas? As suas piscinas poderosas?
Mas a morte
é a única coisa que se herda.
Por trás de
cada um entre as pausas do choro
desabrocham
os primeiros breves sorrisos. Não
há morto que
escape a rirmo-nos dentro dele.
Morrer é uma
forma de se ser outra vez notícia.
Por trás de
cada morto erguem-se de súbito
décadas de
rostos esquecidos. Cada morte pode
alterar os
ares e os rios. Sobretudo a palavra
com que é
dita. De que valeria ser poeta num
tempo
destes? Cantar uma mulher deitada
a abrir-se?
O morto existe. Comecei a dar-lhe nomes:
árvore de
cinzas ou flor evaporada tanto faz.
O olfacto e
o ouvido detinham-se inquietos
mobilizados
noutras fronteiras e a minha
mente
traduzia: é o aroma da terra
o sabor da
maçã o estrépito dos autocarros.
(poeta
amarantino nascido a 27 de Dezembro de 1923)
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