A Linha Imaginária
Vida suplementar,
tão próxima de ti,
tão evidente,
nas dobras deste enigma sereno.
Um pensamento só, voltar à infância,
um desejo qualquer, basta a esperança,
e refloresces em dádivas e gestos.
Este braço de mar é teu, - podes guardá-lo,
esta paz,
este azul,
este piano,
esta nesga de céu que o vento espalha.
Tudo tão próximo de ti,
tão ligado ao teu cotidiano,
ao teu suor diurno,
às tuas vigílias,
às tuas palavras que emprestas
uma outra significação.
Só agora percebes
a tua absurda neutralidade
diante deste fim de tarde,
deste sino que é a tua primeira
e única
memória musical,
desta noite,
caindo leve
sobre a tua cidade.
Só agora buscas o espelho
que procuravas evitar,
só agora tentas restabelecer
todos os elos que ainda justificam tua mísera existência,
reconstituir todos os fatos,
- mesmo os não evidentes -
o Fiat,
a Paixão,
os elementos,
o riso do amigo mais amado.
Só agora te permites a inutilidade
deste gesto fraterno;
só agora ousas confessar
a saudade
que há tanto tempo agasalhaste na sombra,
- de ti mesmo,
- dos teus brinquedos favoritos,
- da mansa voz
do teu primeiro amor.
Só agora te serves desta aurora,
tão próxima de ti,
tão evidente,
nas dobras deste enigma sereno.
(poeta paraense nascido faz hoje 92 anos)
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