Choro!
Ninguém vê
as minhas lágrimas, mas choro
as crianças
violadas
nos muros da
noite
úmidos de
carne lívida
onde as
rosas se desgrenham
para os
cabelos dos charcos.
Ninguém vê
as minhas lágrimas, mas choro
diante desta
mulher que ri
com um sol
de soluços na boca
— no exílio
dos Rumos Decepados.
Ninguém vê
as minhas lágrimas, mas choro
este sequestro
de ir buscar cadáveres
ao peso dos
poços
— onde já
nem sequer há lodo
para as
estrelas descerem
arrependidas
de céu.
Ninguém vê
as minhas lágrimas, mas choro
a coragem do
último sorriso
para o rosto
bem-amado
naquela
Noite dos Muros a erguerem-se nos olhos
com as mãos
ainda à procura do eterno
na carne de
despir,
suada de
ilusão.
Ninguém vê
as minhas lágrimas, mas choro
todas as
humilhações das mulheres de joelhos nos tapetes da súplica
todos os
vagabundos caídos ao luar onde o sol para atirar camélias
todas as
prostitutas esbofeteadas pelos esqueleto de repente dos espelhos
todas as
horas-da-morte nos casebres em que as aranhas tecem vestidos para o sopro do
silêncio
todas as
crianças com cães batidos no crispar das bocas sujas
de
miséria...
Ninguém vê
as minhas lágrimas, mas choro...
Mas não por
mim, ouviram?
Eu não preciso
de lágrimas!
Eu não quero
lágrimas!
Levanto-me e
proíbo as estrelas de fingir que choram por mim!
Deixem-me
para aqui, seco,
senhor de
insônias e de cardos,
neste ódio
enternecido
de chorar em
segredo pelos outros
à espera
daquele Dia
em que o meu
coração
estoire de
amor a Terra
com as
lágrimas públicas de pedra incendiada
a
correrem-me nas faces
— num
arrepio de Primavera
e de
Catástrofe!
(José Gomes
Ferreira nasceu faz hoje 112 anos)
Grande poeta. Um dos nossos maiores.
ResponderEliminarAbraço