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sexta-feira, dezembro 31, 2010

E para entrar em 2011…


… a companhia de um Charles Mignon Brut Blanc De Blancs de 2006, antes de o Teixeira dos Santos levar o pouco que resta.
PARA
TODOS OS AMIGOS DA BLOGOSFERA
UM


quinta-feira, dezembro 30, 2010

Missão

Meus versos terão cumprido a sua missão
se puderem ser pedra e areia
servirem de barricada.

Se puderem ser o hino, quando o desânimo
se levantar como a poeira dos escombros.

Se puderem permanecer no alto, como a bandeira
rasgada e irreconhecível, mas tremulando.

Terão cumprido a sua missão
se na hora em que precisarem deles
não negarem fogo como a boa arma,
se outros puderem ouvi-los, como o esperanto,
depois da vitória do homem e da vitória do povo.

J. G. de Araújo Jorge

(poeta alagoano)

quarta-feira, dezembro 29, 2010

Economia de casino














Agora percebem-se claramente os motivos pelos quais o ministro da finanças alemão e, mais recentemente, o economista chefe do Deutsche Bank insistem tanto nas medidas de austeridade e entrada do FMI em Portugal: jogo puro e duro.

Segundo o insuspeito Finantial Times de ontem, está agendado um mega concerto para a abertura, na véspera de Ano Novo, do Cosmopolitan of Las Vegas, um pequeno hotel casino com três mil quartos, do qual o banco alemão é proprietário e onde investiu mais de três mil milhões de dólares. A economia de casino no seu melhor.
difícil é cantar

À partida tumultuosa das gaivotas em terra
o vento acompanha o murmúrio do ar
na música da espuma;

as ondas, nunca exaustas, de água, sal e lume,
repetem a canção do mar até à
Invenção do mundo.


(Maria Azenha nasceu em Coimbra a 29 de Dezembro de 1945)

terça-feira, dezembro 28, 2010

Arte de viver

Habito no halo
dos meus versos
onde incansavelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto

é a arte de viver...

como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o temor
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
porque voo sem asas
porque vivo sem vida

no avesso dos versos escondo
o tesouro da minha contrariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade


(Armando Artur nasceu em Moçambique a 28 de Dezembro de 1962)

segunda-feira, dezembro 27, 2010

lar doce lar

Minha pátria é minha infância:
Por isso vivo no exílio.


(poeta brasileiro falecido a 27/12/1987)
Carta adiada

Esta carta era para ter sido escrita antes do Natal, mas o número impressionante da cartas ao Pai Natal publicadas nos jornais levou-me a adiá-la para o Boxing Day. Entretanto, o frio fez fugir a pontuação e as maiúsculas, pelo que a missiva ficou uma espécie de arremedo mal alinhavado das redacções da guidinha do saudoso Luís Stau Monteiro e reza assim:

querido pai natal tu que estás sentado no topo do mundo olha para este pequeno rectângulo pendurando no cu da europa que está transformado numa grande “merda” principalmente desde que a chanceler dos “fritz” e o “président” do hexágono começaram a arrotar postas de pescada sobre a dívida e o arroto que é um peido que perdeu o elevador perdeu mesmo o dito e se transformou num telegrama que vai dos intestinos ao ânus a anunciar um descarregamento de “merda” que isto por aqui é pior do que um esgoto a céu aberto na capital do burkina fasso como sabes num mapa pendurado na parede o rectângulo fica na parte de baixo da europa pelo que toda a porcaria vem cá parar temos um governo que não governa e só quer sacar ao povo trabalhador uma oposição que não se opõe um presidente e candidato a presidente que atafulha a boca de bolo rei outro candidato que passa a vida a correr atrás de uma galinha para lhe tirar o pão do bico, economistas que só dizem tretas advogados que não advogam juízes que não julgam mesmo que os malandros sejam apanhados em flagrante de litro jornalistas que não fazem a mínima ideia do que é escrever em bom português locutores pitosgas que não sabem ler o teleponto autarcas que não autarcam empresários que apenas empreendem a mais sórdida exploração do trabalho (pouco) assalariado e mais um rol de coisas que não têm tradução em linguagem de rena deve ser por causa do fado por favor manda daí uma manada de renas para varrer isto tudo à cornada a ver se isto se compõe sem mais adeus pois tenho de poupar papel e caneta para te escrever no próximo ano se o houver

domingo, dezembro 26, 2010

Balada do resplendor deste século

que o resplendor deste século são empolas de água,
e pó sacudido do vento, que todas as cousas da terra têm por fim a terra.



ama ama
ama zonas
certas zonas
miss issipi
ama indo
ama vindo
ama olga
ama volga
ebro ébrio
bramaputra
escalda escalda
gua diana
com apolo
ama dão
e ama deu
ama teu
e ama tua
ama frates
e eufrates
ama núbio
e danúbio
colorido
colorado
ama tejo
ama sena
ama sado
orinoco e tocantim
xingu ural tarim
ama tudo
e por fim
ama pó
ama pó
ama pó
cinza e nada.




(poeta portuense que hoje completa 73 anos

sábado, dezembro 25, 2010

Messianeida

São Francisco de Assis pregou aos pássaros,
e Santo Antônio aos peixes.
Mais corajoso do que São Francisco
e do que Santo Antônio,
Jesus pregou aos homens e às mulheres...

Perderam, todos eles, o seu tempo
e o seu sermão:
O mais sábio por certo,
o mais sábio de todos foi São João,
que pregou no deserto...


(poeta carioca falecido passam hoje 80 anos)
LITANIA DO NATAL

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.

José Régio

sexta-feira, dezembro 24, 2010

EU

sou o 
avesso
em vez de ir aprendendo
fui me desfazendo
e voltando ao começo

me livrei da fé
depois 
de perder a alma no negócio
perdi 
o amor próprio
e expulsei meu ego a pontapé

perdi a vergonha na cara
e esporreei de
 real prazer e puro deleite
não dei às promissórias da vida o aceite
e me 
desfiz do que me mascara

fui deixando de lado
a solidão vazia das 
conversas de salão
entrei de sola com o dedo no cão
e me absolvi de todo o pecado

abandonei os jornais
doei meu gibis a um orfanato
para um asilo a TV e o rádio
e o de menos virou mais

agora 
tenho a mim
e comigo conto
se a morte é assim
eu já 
estou pronto!

Antonio Thadeu Wojciechowski

(poeta paranaense nascido a 24 de Dezembro de 1950)

quinta-feira, dezembro 23, 2010

As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.


(o poeta vila-verdense Jorge Sousa Braga faz hoje 53 anos)
Visto de além-mar

O ajuste europeu

Acuados pelos mercados, governos europeus fazem demonstrações explícitas de genuflexão ortodoxa na esperança de evitar a fuga dos investidores, que ameaçam não financiar mais a dívida pública de Estados quebrados, entre outros motivos, pelo socorro prestado a bancos e empresas durante a crise de 2007/2008. O colapso das finanças desreguladas transmudou-se assim em maior 'risco soberano', medida de confiança dos mercados nos títulos emitidos pelos Tesouros nacionais. Longe de acabar, o que houve foi uma baldeação da crise que se deslocou da contabilidade particular para a das finanças públicas. A ironia suprema é que para continuar financiando os déficits avultados, os mercados exigem agora que os próprios Estados promovam uma segunda baldeação do arrocho, desta feita para o lombo da população. Desmoralizada mas ainda não desbancada, a cartilha neoliberal dá as cartas de como fazê-lo, ao exigir vigorosos cortes nos gastos sociais para destinar recursos ao pagamento de juros e assegurar o resgate de papéis oficiais. Governantes da Irlanda, Grécia, Inglaterra, Portugal e Espanha já acataram a ordem unida. Ontem, foi a vez da Itália. O governo Berlusconi anunciou medidas de arrocho no orçamento universitário que incluem cortes de verbas para bolsas, redução de tempo das pesquisas, novas regras de admissão, maior papel do setor privado na administração do ensino superior público etc. Como fizeram os gregos, ingleses e irlandeses, a juventude italiana foi às ruas aos milhares. Se os protestos esparsos não se fundirem em gigantescas mobilizações de abrangência européia, porém, o veneno que causou a crise será ministrado em dobro para 'tratar' o agônico metabolismo da outrora trincheira da social-democracia mundial.

(in Carta Maior; Quinta-feira, 23/12/2010)

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Regabofe



























As eléctricas festejam o aumento dos preços da energia.

Retirado daqui
Novo epitáfio para um poeta

Na terra nua, as asas desdobraram,
Espigaram,
Deram flor.
Se ali passar alguém
Que tenha o olfacto fino e o dom do humor,
Dirá que aquele morto é um amor:
Dá flor e cheira bem.


(José Régio faleceu a 22 de Dezembro de 1969)

terça-feira, dezembro 21, 2010

No tempo do forte verde

Na sala de jantar
um pouco acima
da cristaleira
o capacete da revolução.
E bem ao lado da terrina
de louça clara adornada
com frutos levemente esmaltados
o pente de balas de fuzil
espetava o dourado ocre do metal.
Foi quando olhei para a rua
e uma bandeira inflava levemente
ao ruflar de longínquos tambores.
Outra vez olhei para o interior
onde as mulheres costuravam.
Pude constatar que o verde
realmente era uma cor
muito forte.

J. B. Sayeg

(poeta paulista)

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Para os Amigos

De entre todos, apenas vós
tendes direito a ver-me
fracassar. Onde caio
entre a vossa irónica
doçura implacável, convosco
partilho o pão e o espaço
e a rapidez dos olhos
sobre o que fica (sempre)
para dar ou dizer.
E de vós me levanto
e vos levo pesando
e ardendo até onde
me ajudais a ser
melhor ou talvez
menos só.

Vítor Matos e Sá, in Companhia Violenta

(poeta português nascido em Lourenço Marques a 20 de Dezembro de 1927 e falecido em Espanha em 1975, de acidente de viação)

domingo, dezembro 19, 2010


já não é hoje ?
não é aquioje?

já foi ontem?
será amanhã?

já quandonde foi?
quandonde será?

eu queria um jàzinho que fosse
aquijá
tuoje aquijá


(Alexandre O’Neill nasceu a 19 de Dezembro de 1924 e faleceu a 21 de Agosto de 1986)

sábado, dezembro 18, 2010

Invenção do Vento

No casarão vazio...
Uma canção triste
Esquecida numa vitrola,
Despertou a nostalgia.
E o vento...
Inventou de trazer lembranças.

J. Anderson

(poeta carioca)

sexta-feira, dezembro 17, 2010

O Silêncio esperado

Agora que vi a neve já posso morrer
de uma morte branca e imaculada
que vai reunir a sombra e a claridade
na vertigem do derradeiro enlace.
Com o seu sopro fremente e lábios frios
ela é o silêncio esperado e sepulta na terra
o amor audacioso e o sonho insensato
como quem esconde um passarinho morto
dos olhos do passante que atravessa o parque.


(poeta alagoano)
A usura














Lê-se e custa a acreditar. Enquanto no seu próprio país mais de 40 milhões de pessoas vivem de senhas de comida, há 10% de desempregados e muitos milhões ficaram sem casa; enquanto em todo o mundo centenas de milhões de pessoas vivem no desespero ou para lá caminham por culpa da crise que a ganância sem limites dos financeiros de Wall Street provocou, os nababos do dinheiro estão prontos para colher os frutos do resgate de centenas de milhares de milhões de dólares de que foram beneficiários, esperam avidamente pelo segundo melhor ano de sempre da catedral do Deus dinheiro e preparam-se para a distribuição de bónus milionários, não no sentido de milhares de dólares mas sim de milhões per capita. Porca miséria!

quinta-feira, dezembro 16, 2010

DERROCADA

A asa de um morcego transparente
e no canto um olho descaído
de pestanas longas espreitando
o ácido viscoso da loucura
escorrendo pelos telhados do mundo

Viajante incansável do pasmo
no silêncio das órbitas vagabundas
dos mares-mortos delírio-espasmo
do cansaço mole das brisas vazias
que do nada se afirmam nas florestas
do ódio de gigantes e anões liliputianos

Blocos monolíticos tristes quedos
imagens-desespero cancerosos
miasmas-visco cobras moribundas
agonizando em convulsões de magma
lanças setas envenenadas dirigidas
ao coração das virgens e crianças

Sombra parda pálida acutilante
teu vulto de insônia transparente
bóia nas trevas flutuantes
da noite dos espiões pelas estradas
das feras que matam as ovelhas
e apunhalam pastores no caminho

Sombra feroz invernal medonha
destroços e cadáveres pútridos
sugando o seio das madonas
e acalentando monstros nas cavernas
pelas horas taciturnas do medo dos teus passos.


(Yolanda Morazzo Lopes da Silva nasceu em São Vicente, Cabo Verde, a 16 de Dezembro de 1927 e faleceu em Lisboa em 28 de Janeiro de 2009)

quarta-feira, dezembro 15, 2010

Semelhanças

Se não pertence ao mar
o que em seu dorso esplende
brasas de água, se do ar
não vem o que entre as mãos
acorda pombas, trêmula
plumagem sob um céu
cativo de pomares,
acaso envolvo leves
semelhanças evadidas:
ombro, seio, lábios, alma.

Izacyl Guimarães Ferreira

(poeta paulista)
Crime organizado














Só quem - por puro preconceito ideológico ou por deficiência política profunda - não queria acreditar é que não sabia que o filhote mais recente da Nato e espécie de primeiro-ministro de uma excrescência territorial nos Balcãs chamada Kosovo era o chefe de um bando terrorista e de uma rede de contrabando de armas e de drogas.

Já tinham surgido várias denúncias, entre as quais as feitas pela procuradora Carla Del Ponte, sobre a sua implicação numa outra rede mais macabra que se dedicava à recolha e contrabando de órgãos humanos retirados de inimigos sérvios caçados e assassinados para o efeito, mas os mesmos pobres de espírito - não confundir com os pobres em espírito referidos no sermão da montanha – juravam a pés juntos que isso era uma invenção do povo sérvio que, de acordo com a doutrina dominante no chamado ocidente, é responsável por tudo o que de mal se tem passado na Europa, pelo menos desde que Nero mandou incendiar Roma.

Agora, um relatório do Conselho da Europa acaba de pôr a nu a verdadeira natureza de Hashim Thaçi e da sua tropa fandanga. Após a apresentação do relatório aos diplomatas dos 47 estados membros, agendada para amanhã em Paris, espera-se o ranger de dentes e o rasgar de vestes dos hipócritas do costume.

terça-feira, dezembro 14, 2010

Saudade

Que saudades eu sinto desta flor,
Que vai murchar!
E desta gota de água e de esplendor,
Um pequenino mundo que é só mar.
E desta imagem que por mim passou
Misteriosamente.
E desta folha pálida e tremente
Que tombou...
Da voz do vento que me deixa mudo,
E deste meu espanto de criança.
Que saudades de tudo eu sinto, porque tudo
É feito de lembrança...

Teixeira de Pascoaes – in Versos Pobres

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Fatal

Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.


(poetisa mineira que hoje completa 75 anos)
Retrato


Me lembrava da menina
escavacando o chão agreste,
me lembrava do menino
carregando melancias.
Em que terras desembocam
esses talos de crianças
mais finos que as maravilhas,
mais fortes que a ventania?
Dois pés descobriram casa,
multiplicaram-se em hastes
- são cabeleiras de trigo
dos moinhos de Van-Gogh.
A sobra dos dois irmãos
repartiu-se entre os veleiros:
seu tronco desarvorado
virou estrelas no mar.

Zila da Costa Mamede*

* no 25º aniversário da sua morte

domingo, dezembro 12, 2010

O lugar da Casa




















Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

Eugénio de Andrade

Posta dedicada à minha companheira, com quem casei faz hoje 34 anos

sábado, dezembro 11, 2010

Catar palavras

Catar palavras
tentar achar o lugar certo de encaixá-las
fazê-las parecidas com o sol
ou simplesmente seduzidas pela lua.
A poesia é isso.
A árdua tarefa de juntar
o que não faz sentido...
como a vida que a gente pensa que leva,
mas leva a gente.
Só isso.
Se hoje sou triste,
pouco importa.
Daqui a pouco,
sento-me diante da máquina
e vou tecendo alegrias inventadas.
Se estou insone,
coloco um filme longo e chato
e logo transformo a fita numa canção de ninar.
No mais,
nada.
Uma saudade, talvez,
que vem de longe,
que encolhe dentro de mim e,
sem que eu possa fazer nada,
ecoa pela casa.
Poetas, poetas...
são almas penadas
neste mundo repleto de Cidades de Deus,
de comícios,
farpas.
São os olhos cegos do amor que perdemos na esquina,
a dura e intrigante abnegação de si mesmo.
O resto é pó.
Pó de palavras queimadas
pela falta de ouvidos e assuntos,
pó de móvel esquecido de limpar
e eu nada sei sobre poemas e poesias,
apenas costuro letras como se tocasse uma canção inaudível.

Iza Calbo

(poetisa baiana)

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Jovem

Suporta o peso do mundo. 
E resiste.

Protesta na praça.
Contesta.
Explode em aplausos.

Escreve recados
nos muros do tempo.
E assina.

Compete
no jogo incerto da vida.

Existe.


(poetisa brasileira)

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Jogo do gato


Para tentar cercar o gato é só seguir esta ligação. O jogo pode ser repetido quantas vezes se quiser. Divirtam-se!
Mas há a vida

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.


(poetisa brasileira de origem ucraniana, falecida a 9 de Dezembro de 1977)

quarta-feira, dezembro 08, 2010

In memoriam

Imagem: Robert García
Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!


(Florbela Espanca nasceu a 8 de Dezembro de 1894 e faleceu a 8 de Dezembro de 1930)

terça-feira, dezembro 07, 2010

Da Condição Humana

Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta.
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue,
Que foi do mesmo ventre que surgimos.


(Ary dos Santos nasceu a 7 de Dezembro de 1936)

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Símbolo d’arte

Se o meu verso não fora o agonizar de um lírio,
E o suave funeral de um crisântemo roxo,
Diluindo-se, murchando, à vaga luz de um círio,
Entre o planger de um sino e o gargalhar de um mocho;

Se, essas flores do mal, em pleno desabrocho,
Eu não sentira em mim, num êxtase e em delírio,
Meu orgulho de rei julgara vesgo e frouxo,
Pois a glória de um sol não vale esse martírio.

Se, na terra que piso, algum prêmio ambiciono,
É o deserto, a cabala, o claustro, a esfinge, o outono,
O calmo encanto da noite e a augusta paz da morte...

E o meu símbolo d'arte, o ideal que me fascina,
É a tristeza a florir a graça feminina,
Como um farol pressago a iluminar o norte!


(poeta brasileiro falecido a 6 de Dezembro de 1935)

domingo, dezembro 05, 2010

Mulher madura

Esse ar puro oxigenado de maturidade
me dá o aspecto de que já vi tudo na vida,
disposta a rever a própria vida.

Este sentimento de mulher humana
me dá o direito de viver feliz,
inspirando segurança,
como se já tivesse tudo o que quis.

Esse jeito felino ou de criança
me dá a certeza de ser forte como nunca,
agarrada nos braços da esperança.

Essa determinação de chegar faceira,
sem ter que explicar nada
nem dizer porque,
me dá a sensação
de estar no auge da vida,
a vida inteira.

Ivone Boechat

(poetisa carioca)

sábado, dezembro 04, 2010

A voz do dono



Chama-se Geoff Morrel e é o porta-voz do Pentágono, nome por que é conhecido o antro onde se aloja o comando supremo da guerra e do terrorismo terráqueos.

Na quarta-feira passada, a jornalista Megyn Kelly, da Fox News, que, como toda a gente sabe, é um canal perfeitamente conotado com a esquerda laica e socialista, perguntou-lhe por que motivo o todo-poderoso Comando Ciber-Espacial de Departamento de Defesa dos Estados Unidos não fez nada para evitar as revelações do Wikileaks.

E, sem qualquer surpresa, uma resposta antológica:

Não utilizámos as forças do Ciber-Comando contra o Wikileaks porque a publicação dos documentos não vai ter um impacto negativo para nós a longo prazo. O Secretário Gates simplesmente não acredita que esta situação possa ter um impacto significativo contra a força dos Estados Unidos ou contra o seu prestígio. O mundo não mantém relações connosco porque gosta de nós ou porque lhe merecemos confiança. São nossos aliados porque não têm outro remédio. Somos o último e o único poder indispensável que existe”.

Os crédulos que acham piamente que isto faz parte de mais uma teoria da conspiração, podem verificar aqui por si próprios.
O Solitário

Não: uma torre se erguerá do fundo
do coração e eu estarei à borda:
onde não há mais nada, ainda acorda
o indizível, a dor, de novo o mundo.

Ainda uma coisa, só, no imenso mar
das coisas, e uma luz depois do escuro,
um rosto extremo do desejo obscuro
exilado em um nunca-apaziguar,

ainda um rosto de pedra, que só sente
a gravidade interna, de tão denso:
as distâncias que o extinguem lentamente
tornam seu júbilo ainda mais intenso.


(Tradução: Augusto de Campos)