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quinta-feira, abril 23, 2009

O Eça e dona Pulquéria Agora que já assentou a poeira levantada pela alegada existência de um “manuel de bem vestir” para as candidatas às funções de atendimento na Loja do Cidadão de Faro e pensando ter percebido que o única intenção da dona Maria Pulquéria Lúcio era chamar a atenção das candidatas para as ligeiras diferenças entre esticar as pernas nas areias da praia e ajudar a ultrapassar as burocracias a que os cidadãos são obrigados - só não percebi aquele veto às cuecas e sutiãs pretos - não quero deixar de aqui denunciar a gritante iliteracia de muitos dos críticos da dona Pulquéria. Na verdade, vi-a ser tratada como se fosse aquela dona da educação lá do norte, que é bem mais nova, muito mais gorda e sem a fineza da AMA mor. A começar pelo nome, já que Moreira (ou mureira), por muito desgostosos que fiquem aqueles que com ele carregam, significa, de acordo com o Aurélio, monte de esterco, enquanto Pulquéria deriva do latim pulchra, o adjectivo latino para bela, bonita, formosa, gentil. Para quem tiver dúvidas, basta verificar que o superlativo absoluto sintético de pulcra é pulcríssima ou pulquérrima. Mas não se ficam por aqui os contrastes entre as duas personagens. Segundo alguns ofícios da Moreira tornados públicos, ela é Directora Regional da Educação mas não sabe escrever. Já a Administradora da AMA se revelou uma queirosiana da mais fina estirpe, tão conhecedora da obra do grande Eça que até descobriu e adaptou uma das crónicas que ele escreveu no ano de 1867, no Distrito de Évora, jornal criado e dirigido pelo José Maria no curto período que passou na cidade alentejana, quando tinha apenas 21 anos de idade; senão, vejam: O Vestuário Influencia o Pensamento Nada influencia mais profundamente o sentir do homem do que a fatiota que o cobre. O mais ríspido profeta, se enverga uma casaca e ata ao pescoço um laço branco, tende logo a sentir os encantos dos decotes e da valsa; e o mais extraviado mundano, dentro de uma robe de chambre, sente apetites de serão doméstico e de carinhos ao fogão. Maior ainda se afirma a influência do vestuário sobre o pensar. Não é possível conceber um sistema filosófico com os pés entalados em escarpins de baile, e um jaquetão de veludo preto forrado a cetim azul leva inevitavelmente a ideias conservadoras. Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora' Claro que Eça não podia escrever sobre mini-saias e roupa interior preta, já que no seu tempo aquilo que os homens ambicionavam ver - fora das alcovas, naturalmente - era o tornozelo da dama quando ela descia da caleche. Mas tal facto apenas realça o arrojo da dona Pulquéria ao adaptar para o século XXI aquilo que ele escreveu há 150 anos.

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