Páginas

quinta-feira, junho 26, 2008

Os sete peqados da leitura Peqados com "q", porque "c" tem som de "cê", e "q" tem som de "quê". Por isso o certo é o errado. A inveja da leitura. O outro leu mais do que eu? Leu melhor do que eu? Tem mais livros do que eu? O olho gordo da leitura. Quero ser o leitor que o outro é. Quero ler nos idiomas que não leio. Quero imitar e superar quem leu desde cedo, quem lê dia e noite, quem lerá para sempre. A gula da leitura. Comer o livro com capa e tudo. Cheirar, lamber, morder, mastigar, engolir. Livros suculentos, temperados, cozidos e assados. Livro aperitivo, livro prato principal, livro sobremesa. Do livro me servir duas, três vezes. Acordar no meio da noite para assaltar a biblioteca. A preguiça da leitura. Leitura lenta, sonolenta, que não sai do lugar. O mesmo capítulo, o mesmo livro nunca terminado. A mesma página, olhar parado, contemplando o infinito, o nome do autor, o nome da editora, o título, o subtítulo, o índice, a dedicatória, a epígrafe, o sumário, o prefácio, a introdução... A luxúria da leitura. A leitura desejada, imaginada em mil e uma posições. Sugestiva, insinuante, tentadora. Prazer entre as páginas, entre as capas, entre as letras. Beijar o texto e ser por ele abraçado. Dormir com mais de um livro, a todos trair e a todos procurar, gemendo, tremendo, relendo. A soberba da leitura. Vangloriar-me de cada livro lido, de cada autor por mim conhecido, por mim descoberto, por mim, por mim, por mim! Supero em muito cada autor porque sou mais do que um só. Sou Guimarães e Bandeira, sou Goethe e Kafka, sou Homero e Dante. Sou tudo o que leio. Sou mais. Sou melhor. A avareza da leitura. Guardar todos os livros para mim, para mim, para mim! Não empresto meus livros e os livros que alguém me empresta tornam-se meus para sempre. Os livros são todos meus. Deles extraio lucro, juros, vantagens, privilégios, poder. Livros para ter, para acumular. Pilhas de livros. Livros que levarei para o túmulo. A ira da leitura. O verso lido com raiva, gritado, indignado com tudo e com todos. O romance fazendo guerra às nossas idéias. A leitura, pura raiva de viver. Bater, apanhar, brigar, xingar. Leitura dura. De todos me orgulho. De cada teimoso peqado, com "q". Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

Sem comentários:

Enviar um comentário