How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
Páginas
▼
sexta-feira, maio 30, 2008
João & Joaquim
Joaquim Maria Machado de Assis faleceu há 100 anos. João Guimarães Rosa nasceu há 100 anos. Os dois imprimiram dimensão estética ao enigma do feminino: Capitu, por Joaquim; Diadorim, por João. Os dois morreram no Rio, os dois em casa, os dois sozinhos. Joaquim no Cosme Velho, viúvo; João em Copacabana, a 19 de Novembro de 1967, quando a mulher saíra para a missa.
Carioca, autodidata, fundador da Academia Brasileira de Letras, Joaquim construiu uma obra de inesgotável polissemia. Seu estilo revela a leveza da pena, graças às suas crônicas para jornais. Seus textos parecem, à primeira vista, ao alcance de qualquer leitor. Porém, exigem acuidade para serem captados em sua profusão de símbolos, subterfúgios, entrelinhas e aparentes tautologias.
Mineiro de Cordisburgo - "cidade do coração" -, poliglota, médico e diplomata, João reinventou a língua portuguesa, abrasileirou-a, potencializou-a, implodiu as regras da narrativa convencional, fez do sertão uma epopéia.
João observa o mundo pela cerca do pasto; Joaquim, pela janela do sobrado. O primeiro é rural; o segundo, urbano. João se solta nas águas límpidas dos grandes rios para pescar, nas profundezas, as metafísicas interrogações do humano. Joaquim é intimista, realista, encontra nos salões, numa conversa banal, a matéria-prima que lhe permite desvelar recônditos segredos da alma.
João encara o mundo de baixo para cima, situado no lugar social dos anônimos; pisa em bosta de vaca para descrever infinitudes. Joaquim é quase dândi, apresenta-se de luvas e cartola e, aos poucos, rasga-nos a fantasia, perfura a pele, escancara o coração, expõe as vísceras.
João é teólogo, apocalíptico; Joaquim, filósofo, irreverente. João é assombro; Joaquim, ironia. Este ergue seu bico de pena e penetra nos meandros de nossa inelutável insensatez; João, mete a foice e desbasta, abre veredas em direções inesperadas.
Joaquim é cartesiano, explora a dúvida, o suspense, a ambigüidade, o contraditório. João é barroco, retorce a gramática, subverte a sintaxe, arranca o vocabulário de seu perfilar ordenado e o atira no corpo de baile dos entremeios do espírito.
Joaquim faz de sua literatura uma caprichosa renda; vista à distância, sua obra parece impecável toalha sobre a mesa, cuja beleza resulta de seus intrincáveis bordados, só apreciados pelo leitor arguto.
João prefere juntar os cacos espalhados pelo chão da vida e expor o vitral de tantas sagas e aventuras. Seu talento é inalcançável, pois isolou-se num universo vocabular e semântico único, singular; melhor comparando, apagou o idioma da lousa e nos labirintos da sintaxe reconstruiu-o letra por letra, palavra por palavra, num tecido radicalmente local, esplendorosamente universal.
Nos dois, o domínio impecável da língua, o estilo cativante, o ritmo preciso. Os dois são inimitáveis. Joaquim nos convida a um jogo repleto de surpresas; João a uma viagem através do misterioso sertão que cada um de nós traz dentro de si.
Este é um ano de muitas comemorações literárias. Há 400 anos nascia o Padre Vieira (6/2/1608), que nos ensinou a reverenciar o idioma português e, há 120 anos, Fernando Pessoa (13/6/1888), para quem "o poeta é um fingidor/ finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente". Há 60 anos nos deixava Monteiro Lobato, que encantou a minha infância e habituou-me aos livros.
Antonio Candido, o maior crítico literário vivo, autor do clássico Parceiros do Rio Bonito, faz 90 anos. E há 90 anos transvivenciou Olavo Bilac, que nos convida a ouvir estrelas. E Manuel Bandeira falecia há 40 anos, ele que nos induz a surfar na poesia: "A onda anda / aonde anda / a onda? / a onda ainda / ainda onda / ainda anda / aonde? / aonde? / a onda / a onda".
Frei Betto
Retirado daqui
Magnífico este post!
ResponderEliminarNota à margem: Entende-se melhor a agora o “cartão” de agradecimento que o Santana, aquando da sua presidência da CML, remeteu ao Machado de Assis; a opção de vida nos salões é comum aos dois
Habituarmo-nos aos livros e, agora, a alguns lugares nesta rede que liga pessoas na forma escrita, não é?
ResponderEliminarDe novo, um engrandecimento pela possibilidade de chegar a coisas boas, ditas deste modo, que aqui no "silêncio" são sempre presentes!
extra: e eu que nem gostava particularmente do algarismo 8... depois de uma ano como este, pronto, lá passo a gostar!