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terça-feira, setembro 04, 2007

E Cristo chorou nos jardins do Vaticano Andando pelas comunidades eclesiais de base do Norte amazónico, lá onde viceja uma Igreja pobre e libertadora, ouvi de um líder comunitário, bom conhecedor da leitura popular da Bíblia, a seguinte visão que ele pretende ter sido verdadeira. Estava um dia a caminho do centro comunitário quando se viu transportado, não sei se em sonho ou em espírito, aos jardins do Vaticano. Viu de repente um Papa, não era nenhum dos conhecidos, todo de branco, cercado pelos seus principais cardeais conselheiros. Faziam o costumeiro passeio após o almoço, andando pelos jardins floridos do Vaticano. De repente, o Papa vislumbrou, a uns poucos metros de distância, a figura do Mestre. Este sempre aparece disfarçado seja como jardineiro seja como andarilho a caminho de Emaús. Mas o sucessor de Pedro, afastando-se do grupo de cardeais, com fino tato, identificou logo o Ressuscitado. Ajoelhou-se e quis proferir a profissão de fé que fez Pedro ser pedra sobre a qual se constrói a Igreja ("Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo") quando foi atalhado por Jesus. Olhando o palácio do Vaticano ao longe e o perfil dos prédios da Santa Sé, disse Jesus com voz entristecida:"Não te bendigo, Simão, filho de Jonas e sucessor de Pedro, porque tudo isso não foi inspirado por meu Pai que está nos céus mas pela carne e pelo sangue. Digo-te a ti que não foi sobre estas pedras que edifiquei minha Igreja, porque temia que então as portas do inferno poderiam prevalecer contra ela". O Papa ficou perplexo e olhou o rosto do Senhor. Viu que caiam-lhe furtivamente duas lágrimas dos olhos. Lembrou-se de Pedro que o havia traído duas vezes e que, arrependido, chorara amargamente. Quis proferir alguma palavra, mas esta lhe morreu na garganta. Começou também ele a chorar. Nisso o Senhor desapareceu. Os Cardeais ouviram as palavras do Mestre e se apressaram em amparar o Papa. Este logo lhes disse com grande severidade:"Irmãos, o Senhor me abriu os olhos. Por isso, as coisas não podem ficar assim. Ajudem-me a realizar a vontade do Senhor". O Cardeal camerlengo, o mais ancião de todos, afirmou:"Santidade, iremos, sim, fazer alguma coisa no seguimento de Jesus e na tradição dos Apóstolos. Amanhã reuniremos todo o colégio cardinalício presente em Roma e, invocando o Espírito Santo, decidiremos como vamos proceder, consoante as palavras do Senhor". Todos se afastaram pesarosos, vindo-lhes à memória aquelas cenas do Novo Testamento que se referem a Jesus chorando sobre a cidade santa, que matava seus profetas e apedrejava os enviados de Deus e que se negava a reunir seus filhos e filhas como a galinha que recolhe os pintainhos debaixo de suas asas. Alguns, entretanto, comentavam: "irmãos, sejamos realistas e prudentes, pois nos toca viver neste mundo que ajudamos a construir. Podemos negar nossa história? Mas vejamos o que o Espírito nos inspira". No dia seguinte, quando os cardeais se dirigiam à sala do consistório, graves e cabisbaixos, o secretário do Papa veio correndo e lhes comunicou quase aos gritos: "O Papa morreu, o Papa morreu". Celebraram-se os funerais com a pompa costumeira dos cardeais em suas vestes luzidias e coloridas, vindos de todas as partes do mundo. Uma semana após, sepultaram o Papa. E ninguém mais lembrou das palavras que o Senhor havia dito. Leonardo Boff Publicado no site do autor em 20/07/2007 e aqui afixado com a sua autorização.

2 comentários:

  1. Passei aqui apenas para ler as tuas "últimas" deixar-te um beijo e votos de recuperação para a tua mulher.
    Vai tudo correr pelo melhor,
    Jean

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  2. Obrigado, estrela. Está a correr bastante bem, mas ainda vai durar muito tempo.
    Beijos

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