How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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domingo, setembro 30, 2007
Fábula dos Dois Leões
Diz que eram dois leões que fugiram do Jardim Zoológico. Na hora da fuga cada um tomou um rumo, para despistar os perseguidores. Um dos leões foi para as matas da Tijuca e outro foi para o centro da cidade. Procuraram os leões de todo jeito mas ninguém encontrou. Tinham sumido, que nem o leite.
Vai daí, depois de uma semana, para surpresa geral, o leão que voltou foi justamente o que fugira para as matas da Tijuca. Voltou magro, faminto e alquebrado. Foi preciso pedir a um deputado do PTB que arranjasse vaga para ele no Jardim Zoológico outra vez, porque ninguém via vantagem em reintegrar um leão tão carcomido assim. E, como deputado do PTB arranja sempre colocação para quem não interessa colocar, o leão foi reconduzido à sua jaula.
Passaram-se oito meses e ninguém mais se lembrava do leão que fugira para o centro da cidade quando, lá um dia, o bruto foi recapturado. Voltou para o Jardim Zoológico gordo, sadio, vendendo saúde. Apresentava aquele ar próspero do Augusto Frederico Schmidt que, para certas coisas, também é leão.
Mal ficaram juntos de novo, o leão que fugira para as florestas da Tijuca disse pro coleguinha: — Puxa, rapaz, como é que você conseguiu ficar na cidade esse tempo todo e ainda voltar com essa saúde? Eu, que fugi para as matas da Tijuca, tive que pedir arreglo, porque quase não encontrava o que comer, como é então que você... vá, diz como foi.
O outro leão então explicou: — Eu meti os peitos e fui me esconder numa repartição pública. Cada dia eu comia um funcionário e ninguém dava por falta dele.
— E por que voltou pra cá? Tinham acabado os funcionários?
— Nada disso. O que não acaba no Brasil é funcionário público. É que eu cometi um erro gravíssimo. Comi o diretor, idem um chefe de seção, funcionários diversos, ninguém dava por falta. No dia em que eu comi o cara que servia o cafezinho... me apanharam.
Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)
Texto extraído do livro “Primo Altamirando e Elas”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1961,
pág. 153.
Pedido "emprestado" ao Projecto Releituras
sábado, setembro 29, 2007
Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"...
Machado de Assis
sexta-feira, setembro 28, 2007
Um computador não é um electrodoméstico
Na ânsia de criticar o governo por tudo e por nada, a oposição tem lançado nestes últimos dias uma série de trocadilhos sobre as novas tecnologias, em particular no contexto da distribuição pelo governo de computadores com ligação à Internet.
Além do lado caricato, com Portas a chegar tardiamente aos gigas e aos bites e Marques Mendes a falar de software e programas, o que ele imagina serem coisas distintas, estes dois dirigentes consideram que estamos perante uma mera acção de propaganda, uma simples compra de votos, aliás repetidamente comparada com a célebre distribuição de electrodomésticos pelo não menos célebre Major.
Continue a ler este excelente artigo de Leonel Moura, de acesso livre, publicado na edição online do Jornal de Negócios
quinta-feira, setembro 27, 2007
Trogloditas
Francisco Chimoio é o arcebispo católico do Maputo, pessoa amplamente respeitada em Moçambique pelo papel que assumiu na negociação dos acordos de paz que, em 1992, puseram termo a 16 anos de guerra civil.
Pois agora resolveu jogar o seu prestígio numa manobra macabra, acusando fabricantes europeus de preservativos de infectar deliberadamente os produtos com o vírus HIV “para acabar rapidamente com os povos africanos”, dizendo à BBC que “sei que há dois países na Europa... que fabricam preservativos deliberadamente infectados com o vírus”, embora se tenha recusado a identificar tais países.
É sabido que a grande maioria dos hierarcas católicos não olha a meios para atingir os seus fins no que aos preservativos – e a muitas outras questões – diz respeito, quer organizando autos de fé para a respectiva queima, quer vociferando enormidades como o vírus ser tão diminuto que passa através do preservativo. Mas chegar a isto?
O arcebispo pode ser ignorante nos aspectos científicos que garantem que o vírus HIV não tem quaisquer hipóteses de sobreviver dentro de uma embalagem de preservativos, mas não acredito que seja ignorante (nenhum bispo o é) nos aspectos económicos que dizem que qualquer fabricante que mate os consumidores dos seus produtos vai ter de fechar a fábrica.
Só resta, portanto, a má fé e o intuito de minar a campanha do governo Moçambicano para educar as pessoas sobre a melhor forma de evitar o contágio, contribuindo para um autêntico genocídio num país onde um sexto da população está infectada e cerca de 500 pessoas são infectadas diariamente.
Ora, segundo os ditames da sua igreja, a má fé, a mentira deliberada e o genocídio são faltas graves, pelo que Francisco Chimoio, pecador público, só tem a alternativa do arrependimento público. Será capaz disso, ou vai continuar a sua campanha cobarde?
quarta-feira, setembro 26, 2007
Sexo e futebol
No que se parecem: o sexo e o futebol?
No futebol, como no sexo, as pessoas suam ao mesmo tempo, avançam e recuam, quase sempre vão pelo meio, mas também caem para um lado ou para o outro, e às vezes há um deslocamento. Nos dois é importantíssimo ter jogo de cintura.
No sexo, como no futebol, muitas vezes acontece um cotovelaço no olho sem querer, ou um desentendimento que acaba em expulsão. Aí um vai para o chuveiro mais cedo.
Dizem que a única diferença entre uma festa de amasso e a cobrança de um escanteio é que na grande área não tem música, porque o agarramento é o mesmo, e no escanteio também tem gente que fica quase sem roupa.
Também dizem que uma das diferenças entre o futebol e o sexo é a diferença entre camiseta e camisinha. Mas a camisinha, como a camiseta, não distingue, ela tanto pode vestir um craque como um medíocre.
No sexo, como no futebol, você amacia no peito, bota no chão, cadencia, e tem que ter uma explicação pronta na saída para o caso de não dar certo.
No futebol, como no sexo, tem gente que se benze antes de entrar e sempre sai ofegante.
No sexo, como no futebol, tem o feijão com arroz, mas também tem o requintado, a firula e o lance de efeito. E, claro o lençol.
No sexo também tem gente que vai direto no calcanhar.
E tanto no sexo quanto no futebol o som que mais se ouve é aquele “uuu”.
No fim sexo e futebol só são diferentes, mesmo, em duas coisas. No futebol não pode usar as mãos. E o sexo, graças a Deus, não é organizado pela CBF.
Luis Fernando Veríssimo*
Feliz 71º aniversário, Luís Fernando Veríssimo!
terça-feira, setembro 25, 2007
O verdadeiro choque de civilizações
A expressão "choque de civilizações" como formato das futuras guerras da humanidade foi cunhada pelo fracassado estrategista da Guerra do Vietnã, Samuel P. Huntington. Para Mike Davis, um dos criativos pesquisadores norte-americanos sobre temas atuais, como "holocaustos coloniais" ou "a ameaça global da gripe aviária", a guerra de civilizações se daria entre a cidade organizada e a multidão de favelas do mundo. Seu recente livro "Planeta Favela"(2006) apresenta uma pesquisa minuciosa (apesar da bibliografia ser quase toda em inglês) sobre a favelização que está ocorrendo aceleradamente por todas as partes. A humanidade sempre se organizou de um jeito que grupos fortes se apropriassem da Terra e de seus recursos, deixando grande parte da população excluída. Com a introdução do neoliberalismo a partir de 1980 este processo ganhou livre curso: houve uma privatização de quase tudo, uma acumulação de bens e serviços em poucas mãos, de tal monta que desestabilizou socialmente os países periféricos e lançou milhões e milhões de pessoas na pura informalidade. Para o sistema eles são "óleo queimado", "zeros econômicos", "massa supérflua" que sequer merece entrar no exército de reserva do capital. Essa exclusão se expressa pela favelização que ocorre no planeta inteiro na proporção de 25 milhões de pessoas por ano. Segundo Davis, 78,2% das populações dos países pobres é de favelados (p.34). Dados da CIA de 2002 davam o espantoso número de 1 bilhão de pessoas desempregadas ou subempregadas favelizadas.
Junto com a favela vem toda a corte de perversidades, como o exército de milhares de crianças exploradas e escravizadas, como em Varanasi (Benares), na Índia, na fabricação de tapetes, ou as "fazendas de rins" e outros órgãos comercializados em Madras ou no Cairo e formas inimagináveis de degradação, onde pessoas "vivem literalmente na m "(p.142).
Ao Império norte-americano não passaram desapercebidas as consequências geopolíticas de um "planeta de favelas". Temem "a urbanização da revolta" ou a articulação dos favelados em vista de lutas políticas. Organizaram um aparato MOUT (Military Operations on Urbanized Terrain: operações militares em terreno urbanizado) com o objetivo de se treinarem soldados para lutas em ruas labirínticas, nos esgotos, nas favelas, em qualquer parte do mundo onde os interesses imperiais estejam ameaçados. Será a luta entre a cidade organizada e amedrontada e a favela enfurecida. Um dos estrategistas diz friamente:"as cidades fracassadas e ferozes do Terceiro Mundo, principalmente seus arredores favelados, serão o campo de batalha que distinguirá o século XXI; a doutrina do Pentágono está sendo reconfigurada nessa linha para sustentar uma guerra mundial de baixa intensidade e de duração ilimitada contra segmentos criminalizados dos pobres urbanos. Esse é o verdadeiro choque de civilizações"(p.205).
Será que os métodos usados recentemente no Rio de Janeiro com a militarização do combate aos traficantes nas favelas, com verdadeiras execuções, já não obedece a esta estratégia, inspirada pelo Império? Estamos entre os países mais favelizados do mundo, efeito perverso provocado por aqueles que sempre negaram a reforma agrária e a inclusão social das grandes maiorias pois lhes convinha deixá-las empobrecidas, doentes e analfabetas. Enquanto não se fizerem as mudanças de inclusão necessária, continuará o medo e o risco real de uma guerra sem fim.
Leonardo Boff
Publicado no site do autor em 24/08/2007 e aqui afixado com a sua autorização
segunda-feira, setembro 24, 2007
domingo, setembro 23, 2007
Quer comprar?
23 de Setembro é o Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças. Parece incrível que, em pleno século XXI, ainda seja preciso haver um dia especial para sensibilizar as pessoas contra o que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera ser o pior desrespeito aos direitos humanos na sociedade atual: o tráfico de pessoas.
O tráfico de pessoas é um comércio internacional que lucra bilhões de dólares à custa de milhões de vítimas, sendo que a maioria delas é de mulheres jovens e crianças roubadas em sua dignidade e liberdade, para serem usadas na indústria sexual das regiões ricas do planeta. Conforme o Ministério da Justiça, as mulheres e meninas são as maiores vítimas do tráfico humano para a exploração sexual comercial: 98% do total em relação a 2% de homens e meninos.
O(a)s criminoso(a)s lucram ao mesmo tempo que atendem à demanda do(a)s consumidore(a)s. No centro desta cadeia econômica, estão as vítimas em situação de vulnerabilidade pela pobreza, pela desigualdade de gênero e raça e por um processo de desenvolvimento assimétrico entre os países e entre as regiões dentro do mesmo território. O tráfico humano é fruto da globalização baseada no lucro, que exclui milhões de pessoas de uma vida mais digna.
Mas em meio de constatações tão perversas, temos também notícias boas. Em Novembro de 2000, a Assembléia das Nações Unidas adotou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas, em especial mulheres e crianças, também conhecido por Protocolo de Palermo. O referido Protocolo foi ratificado no Brasil em Março de 2004. Em Outubro de 2006, um decreto presidencial aprovou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que traz um conjunto de diretrizes, princípios e ações norteadoras do Poder Público em relação ao tema.
Finalmente, no início de Setembro deste ano, foi enviado para a Presidência da República o relatório final da proposta de Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), concretizando a Política.
Agora, governo e sociedade civil têm no PNETP um instrumento precioso de luta contra o crime do tráfico humano, o qual - tão logo publicado - devemos exigir que seja posto imediatamente em prática no País. Sua duração é de dois anos, após a publicação do decreto presidencial que o institui, tendo sempre de ser avaliado e monitorado para se renovar.
Conseguimos vencer uma etapa de nossa luta. O passo seguinte é conseguir que o Congresso Nacional aprove a Legislação de enfrentamento ao tráfico de pessoas em nosso País.
Porém, de pouco adiantará conseguirmos políticas públicas para combater o TP se, ao mesmo tempo, o governo federal - que tem dado tanta atenção ao problema - não mudar os rumos de sua macroeconomia, que privilegia os interesses de grupos financeiros nacionais e internacionais. Sem emprego, condições de saúde, educação e melhores perspectivas de vida homens, mulheres e crianças ficarão à mercê do(a)s que lucram com a venda de seus corpos.
Priscila Siqueira - ABONG *
*Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
Retirado daqui
sábado, setembro 22, 2007
Escrito a Sangue
ruas escuras
atravessado
eu atravesso
reviro o avesso
nele me meço
olho de lince
encaro a face da fera
espelhos se estilhaçam
rasgam minha cara
cai a neblina do vazio
frio na barriga
pago o preço
erva bola cogumelo
volto ao começo
escapo com vida
desconverso
verso escrito a sangue
desapareço
quanto mais
menos
me pareço
eco de bicho homem
ego sem endereço
Ademir Assunção*
*poeta paulista
sexta-feira, setembro 21, 2007
73º aniversário
The Faith
The sea so deep and blind
The sun, the wild regret
The club, the wheel, the mind,
O love, aren’t you tired yet?
The club, the wheel, the mind
O love, aren’t you tired yet?
The blood, the soil, the faith
These words you can’t forget
Your vow, your holy place
O love, aren’t you tired yet?
The blood, the soil, the faith
O love, aren’t you tired yet?
A cross on every hill
A star, a minaret
So many graves to fill
O love, aren’t you tired yet?
So many graves to fill
O love, aren’t you tired yet?
The sea so deep and blind
Where still the sun must set
And time itself unwind
O love, aren’t you tired yet?
And time itself unwind
O love, aren’t you tired yet?
Leonard Cohen
Dear Heater- Outubro de 2004
quinta-feira, setembro 20, 2007
O lado negro dos agrocombustíveis
À primeira vista, os biocarburantes parecem uma solução altamente satisfatória. Produzidos a partir da cana de açúcar, de cereais, da soja e das palmeiras oleaginosas, constituem energias totalmente renováveis e alegadamente limpas, para além de, hipoteticamente, contribuírem para a melhoria das condições de vida de milhões de camponeses pobres.
Mas, quando a esmola é grande, o pobre desconfia. E, como a esmola foi de monta, primeiro com o célebre memorando Bush - Lula e depois com a cimeira União Europeia – Brasil, e eu sou pobre, deu-me para fazer aquilo que seria suposto ser trabalho de jornalista que se preze: investigar, para ver se não haveria “gato escondido com o rabo de fora”.
E o panorama não podia ser mais aterrador. Às imensas consequências ambientais negativas provocadas pela desflorestação galopante já verificada na Malásia e na Indonésia e espectável no Brasil, pela monocultura intensiva de espécies não autóctones, pelo consumo intensivo de água desperdiçada no cultivo e pelos gazes com efeitos de estufa provocados pela produção do combustível, que chegam a ultrapassar as emissões dos combustíveis fósseis, é necessário acrescentar os custos sociais associados à espoliação de milhões de camponeses dos seus meios de subsistência e ao aumento exponencial do custo dos cereais no mercado internacional, que já levou a violentos protestos de multidões de mexicanos confrontados com o preço do milho que importam dos Estados Unidos e que é a base do prato nacional, a famosa “tortilla”.
Mas o melhor será dar a “tesoura” a quem “percebe da poda”. Entre tanta informação que me parece digna de realce, recomendo um artigo do sociólogo belga François Houtart, intitulado “o custo económico e social dos agrocombustíveis” (em castelhano) e outro de Eric Holtz-Gimenez, director geral do “Food First”, publicado no Le Monde Diplomatic de Junho de 2007, com o título “ Os cinco mitos da transição para os agrocombustíveis”, que pode ser lido em francês ou em inglês.
Também já se fala da produção de biocarburantes a partir da celulose, pois os cientistas estão a trabalhar numa bactéria que o permitiria. Para nós, que temos assistido impotentes ao domínio do eucalipto sobre as espécies originais das nossa florestas, com a consequente aridez e desertificação dos solos, será fácil imaginar o que acontecerá à fauna e floras mundiais quando se começar a produzir combustível a partir de árvores de crescimento rápido.
Confrontados com o petróleo a esgotar-se, a previsível escassez de água doce num futuro próximo, os efeitos potencialmente devastadores da produção de biocarburantes e as necessidades crescentes de energia, não seremos capazes de encontrar alternativas?
quarta-feira, setembro 19, 2007
A bacia de Pilatos
A nação está perplexa e indignada. Na cara da maioria dos políticos e, particularmente, dos jornalistas que acompanharam o caso do Senador Renan Calheiros e sabiam as manobras escusas que usava a partir de seu cargo de presidente da Casa, para se manter no poder, se estampava decepção e abatimento. E com razão, pois o Senado se transformou num sinédrio, cheio de herodianos, aliados do poder dominante. Esses votaram a favor e 6 se abstiveram. Exatamente o número que Renan precisava para escapar-se da punição. Abster-se é dizer não à cassação. Supõe-se que muitos destes votos, secretos, vieram do PT e aliados. O Senador Mercadante revelou seu voto de abstenção. A líder do PT no Senado, Ildeli Salvati, cabalava votos em favor de Renan e deve ter se abstido, facilitando a vitória do acusado.
A propósito de falta de decoro por permitir que um lobista pagasse suas contas pessoais referentes ao filho que tivera com sua amante isso se chamava antigamente de adultério público - descobriram-se muitas outras irregularidades graves, atestadas pela polícia federal e pelo jornalismo investigativo da televisão. Esta foi ao local, em Alagoas, documentou em som e em cores as mentiras e falsas alegações de Calheiros, o que comprovava ainda mais sua falta de decoro. Além do mais, mentiu aos Senadores e sonegou informações e documentos ao conselho de ética.
Aliados do absolvido falaram em vitória da democracia. Que democracia? Esta, convencional no Brasil, encurtada e farsesca, montada em cima de conchavos, do uso do poder público em benefício próprio, infectada de tráfico de influência e de desvio de dinheiros públicos?
O que envergonha os cidadãos é verem Senadores, alguns velhos provectos, sem qualquer dignidade, verdadeiros mafiosos do poder, voltarem as costas à sociedade e fazerem-se cegos e surdos ao clamor das ruas. Estão tão enjaulados em seus privilégios na redoma do Senado que nem lhes importa o que a mídia e a opinião pública pensam deles.
Mas, o que envergonha mesmo é a recaída de membros do PT. São pecadores públicos contumazes. Já haviam antes enviado a ética nem sequer para o limbo, mas diretamente para o inferno. Agora repetiram o ato pecaminoso. Por isso, são desprezíveis como Pilatos. Este se acovardou diante do povo e condenou Jesus. Mas, antes fez um gesto que passou à história como símbolo de pusilanimidade, de covardia e de falta de caráter. Diante do povo, lavou as mãos com água. Essa bacia de Pilatos foi ressuscitada no Senado. Mas a água não é água. São lágrimas dos indignados, dos cansados de ver injustiças e dos dilacerados diante da contínua impunidade.
A "onorebile famiglia Calheiros" tem novos membros em sua máfia. Todos os que se abstiveram, podem acrescentar a seus nomes o sobrenome de Calheiros. Como revelou publicamente seu voto, o Senador Aloísio Mercadante merece agora ser chamado de Aloisio Mercadante Calheiros. Pelo esforço da argumentação em favor da não cassação de Renan, a Senadora Ildeli Salvatti merece que lhe apodemos de Ideli Salvatti Calheiros. Ela fez a figura inversa da mulher do covarde Pilatos que o advertiu: "não te comprometas com este justo, pois sofri muito hoje em sonhos por causa dele". Ela e outros devem estar sofrendo muito, sim, roídos pela má consciência. Esse sofrimento transparece em seus olhos revirados e em seus rostos desfigurados.
O povo não merece ser representado por espíritos menores, faltos de ética, desavergonhados e esquecidos de que são meros delegados do poder popular. Que mostrem a cara, que falem ao povo, que se expliquem por quê, diante de tantas provas, dos relatórios da comissão de ética e do clamor das ruas, puderam agir de forma tão traiçoeira.
Leonardo Boff
Retirado daqui
terça-feira, setembro 18, 2007
37 anos de ausência
Angel
Angel came down from heaven yesterday
She stayed with me just long enough to recue me
And she told me a story yesterday,
about the sweet love between the moon and the deep blue sea
And then she spread her wings high over me
She said she's gonna come back tomorrow
And I said "fly on my sweet angel,
fly on through the sky,
fly on my sweet angel,
tomorrow I'm gonna be by your side"
Sure enough this morning came unto me
Silver wings silhouetted against the child's sunrise
And my angel she said unto me
"today is the day for you to rise,
take my hand, you're gonna be my man,
you're gonna rise"
And then she took high over yonder
And I said "fly on my sweet angel,
fly on through the sky,
fly on my sweet angel,
forever I will be by your side"
Jimi Hendrix
segunda-feira, setembro 17, 2007
A imposição do poema
Dissimulado,
o poema se impõe:
aceso o coração,
iluminada a rua,
o poema dá as caras
nas frestas da janela,
põe as manguinhas de fora,
cospe no prato
e, atrevido,
vai realizando,
meio tonto, meio sonso,
sua esfinge de cal,
sua natureza de vento,
sua estrutura de nada.
Inútil, o poema
compõe disfarces:
armada a cilada,
preparado o bote,
o poema primeiro dorme,
descansa seu corpo
de éter, sua alquimia,
na primeira pedra,
ao menor descuido,
para depois,
ágil e confiante,
estabelecer-se inteiro
na superfície rasa
do papel vencido.
João Carlos Taveira*
*poeta mineiro
domingo, setembro 16, 2007
Somos cinco mil
Chamava-se Victor Jara, tinha 31 anos, cantou com e para o povo e foi assassinado pelos verdugos do povo.
Preso no dia da instauração da ditadura de Pinochet, foi levado com os seus companheiros para o estádio de Santiago do Chile, vilipendiado e torturado durante quatro dias e, em 16/09/1973, cobardemente morto em nome da civilização ocidental.
Quebraram-lhe as mãos para que não pudesse mais escrever. Contudo, no meio da tortura, conseguiu redigir a sua última canção, que foi escondida em bocados de papel pelos seus companheiros.
Somos cinco mil, para que a memória se não apague:
Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil,
quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Só aqui dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.
Quanta humanidade,
com fome, frio, pânico, dor
pressão moral, terror e loucura!
Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.
Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.
Os outros quatro quiseram livrar-se de todos os temores
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra a parede,
mas todos com o olhar fixo da morte.
Que espanto causa o rosto do fascismo!
Levam a cabo os seus planos com precisão fantástica,
sem que nada lhes importe.
O sangue, para eles, são medalhas.
A matança é acto de heroísmo.
É este o mundo que criaste, meu Deus?
Para isso os teus sete dias de assombro e trabalho?
Nestas quatro muralhas só existe um número
que não cresce
e que lentamente quererá mais a morte.
Mas prontamente me golpeia a consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de matrona,
cheio de doçura.
E o México, Cuba e o mundo?
Que gritem esta ignomínia!
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.
Quantos somos em toda a pátria?
O sangue do companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e metralhas.
Assim o nosso punho golpeará novamente.
Como me sai mal o canto
quando tenho que cantar o espanto!
Espanto como o que vivo
como o que morro, espanto.
De ver-me entre tantos e tantos
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.
O que vejo nunca vi,
O que tenho sentido e o que sinto
Fará brotar o momento...”
Victor Jara (Estádio de Chile, 1973)
sábado, setembro 15, 2007
As fases da lua
Muito cedo gravou-se em mim o sentimento do mundo. Meus olhos, dilatados pela fé, polidos pelo pós-hegelianismo de Marx, enxergaram a pirâmide social invertida. Consumiu-se minha juventude na embriaguez da utopia. Dela comungavam tantos companheiros e companheiras movidos pelo ardente desejo de morder a lua. Épico o nosso sonho de remover as travas da desvida. Singular aquela estóica dedicação, despojada de toda ambição pessoal, disposta a reinventar o mundo. Tínhamos a ousadia de romper parâmetros, despidos de moralismos e sensíveis à morte e vida Severina.
Lutávamos atentos aos clamores da Revolução de Outubro, à Longa Marcha de Mao ao cruzar as pontes de nossos corações, aos barbudos de Sierra Maestra que arrancavam baforadas de nosso alento juvenil, à vitória vietnamita selando-nos a certeza de que arrebataríamos o futuro. A lua seria o nosso troféu. Haveríamos de escalar suas montanhas e, lá em cima, desfraldar as bandeiras da socialização compulsória.
Os condenados da Terra arranchavam-se sob o caravansará de nossos ideais e, em breve, saberíamos conduzi-los aos mananciais onde correm leite e mel...
Caiu a noite, a lua se apagou, a nação, pisada pelas botas, abortou primícias e promessas. Trocamos a sala de aula pelo combate destemido, a caneta pelas armas, a garganta a ruminar convicta: "Venceremos!"
O terror do Leviatã se abateu sobre nós, os gritos de dor ecoaram das masmorras, vidas preciosas ceifadas no carrossel das sevícias, corpos despedaçados e desaparecidos nos labirintos do arbítrio. Ainda assim, a lua não sangrou.
Rumo à aurora, demos as mãos à multidão peregrina imbuída da devoção democrática. Nas periferias, o sorriso se abria, a consciência despertava, a mobilização florescia. Até que brilharam os raios fúlgidos e o esplendor da lua iluminou-nos a esperança.
Na oficina dos sonhos, forjamos ferramentas apropriadas ao parto do novo Brasil. A luta sindical consubstanciou-se em projeto partidário, a crença pastoral multiplicou-se em células comunitárias, os movimentos sociais emergiram como atores no palco dominado pelas sinistras máscaras dos que jamais conjugaram o verbo partilhar. Cuba, Nicarágua, El Salvador... o olhar impávido do Che... a irredutível teimosia de Gandhi... a sede de justiça dessedentada nas fontes límpidas da ética. Jamais seríamos como eles.
Em tempos de chuva, a água sobe rápido e inunda ruas, casas, cidades. Cegos pela miragem, não percebemos o lento e imbatível sopro do vento. A areia fétida, acumulada à soleira da porta, dia após dia subia mais um palmo. Galgamos degraus investidos de mandato popular, fomos entronizados na cozinha de Maquiavel, havia chegado a hora de quem tanto esperou acontecer. Intrépidos, alguns de nós decidiram cavalgar soberbos, convencidos de que o caminho mais curto entre sonho e realidade passa pelo mágico som do tilintar das moedas.
Por que não se aventurar pelas mesmas sendas trilhadas pelo inimigo, já que ele se perpetua com tanta força? Qual o segredo dos cabelos de Sansão? Os pobres caíram no olvido, a sedução do poder fez a lua arder em chamas. Ícaros impenitentes, não se deram conta de que as asas eram de barro.
A sofreguidão esvaziou projetos, a gula cobiçosa devorou quimeras. O pragmatismo acelerou a epifania dos avatares do poder. O conluio enlaçou históricos oponentes, adversários coligaram-se, e aliados foram defenestrados nessa massa informe que, destemperada de ética, alicerça o Leviatã.
Ainda assim, há quem, sob a lua apagada, não tema perseguir pontos de luz na escuridão. Por alguma parte trafega a lanterna de Diógenes. Triste, contudo, ver antigos companheiros na condição de réus de tramóias eleitoreiras e financeiras.
Hoje, a história, estuprada pelo neoliberalismo, engravida-se de sonhos medíocres. A utopia escorre pelo ralo. A lua mingua, a estrela já não refulge.
Dói em mim tanto desacerto. Os sonhos de uma geração trocados por um prato de lentilha. Aguardo, agora, a lua nova.
Frei Betto
Retirado daqui
sexta-feira, setembro 14, 2007
Alex (1976-2007)
Alex foi comprado em 1977 pela Dr. Irene Pepperberg, que passou os últimos 30 anos
a ensiná-lo. Conseguia identificar 50 objectos diferentes, 7 cores, 5 formas, quantidades até 6, categorizar mais de 100 itens diferentes e conhecia conceitos como maior/menor, igual/diferente, etc. Além de que era uma celebridade em programas de televisão, onde até dizia piadas breves, como “vamos com calma”.
Testemunha a cientista que, no dia da morte, se despediu dela com as palavras “You be good, see you tomorrow. I love you.” Mas, para o Alex, não houve amanhã, pois a sua dona encontrou-o morto no dia seguinte.
Se gosta de pássaros, especialmente de papagaios, espante-se com esta longa conversa com Irene Pepperberg.
Alex morreu no passado dia 6. Tinha 31 anos, uma quase tenra idade para um papagaio cinzento africano, cuja esperança de vida é de 50 ou mais anos, e deixou os Estados Unidos a chorar. Se se introduzir no Google as palavras Alex + Parrot
aparecem quase 6 milhões de entradas.
aparecem quase 6 milhões de entradas.
Tem direito a uma Fundação com sítio próprio, o The New York Tymes dedicou-lhe um Editorial e um artigo na secção de Ciência e o Guardian outro artigo também na secção de Ciência.
Alex foi comprado em 1977 pela Dr. Irene Pepperberg, que passou os últimos 30 anos
a ensiná-lo. Conseguia identificar 50 objectos diferentes, 7 cores, 5 formas, quantidades até 6, categorizar mais de 100 itens diferentes e conhecia conceitos como maior/menor, igual/diferente, etc. Além de que era uma celebridade em programas de televisão, onde até dizia piadas breves, como “vamos com calma”.
Testemunha a cientista que, no dia da morte, se despediu dela com as palavras “You be good, see you tomorrow. I love you.” Mas, para o Alex, não houve amanhã, pois a sua dona encontrou-o morto no dia seguinte.
Se gosta de pássaros, especialmente de papagaios, espante-se com esta longa conversa com Irene Pepperberg.
quinta-feira, setembro 13, 2007
O Nosso Futuro Biotecnológico
Este simpático ancião chama-se Freeman Dyson e é um físico teórico e matemático anglo-americano, famoso pelo seu trabalho em mecânica quântica e física do estado-sólido, bem como pelo sua importante teorização sobre os conceitos de futurologia e ficção científica.
Recentemente, publicou na The New York Review of Books um muito interessante e provocatório artigo sobe O Nosso Futuro Biotecnológico (Our Biotech Future), no qual, depois de afirmar que o século XXI será o século da biologia, como o século XX foi o século da física, antecipa um futuro não muito distante em que a “domesticação” e a massificação das descobertas no campo da biotecnologia porão nas nossas mãos um sem número de possibilidades.
O acesso é livre e a leitura aliciante e fácil; aqui fica uma passagem para aguçar o apetite:
“o passo final na domesticação da biotecnologia serão os jogos biotecnológicos, desenhados como jogos de computador para crianças com idade para frequentarem jardins infantis, mas jogados com ovos e sementes reais em vez de imagens num ecrã. Brincando com tais jogos, as crianças irão adquirir uma ternura familiar pelos organismos que estão a ajudar a crescer. O vencedor talvez possa ser a criança cuja semente produzir o cacto mais espinhoso ou o miúdo cujo ovo chocar o dinossauro mais perspicaz”.
Pode ler aqui os comentários de outros e especialistas e a resposta do autor.
Recentemente, publicou na The New York Review of Books um muito interessante e provocatório artigo sobe O Nosso Futuro Biotecnológico (Our Biotech Future), no qual, depois de afirmar que o século XXI será o século da biologia, como o século XX foi o século da física, antecipa um futuro não muito distante em que a “domesticação” e a massificação das descobertas no campo da biotecnologia porão nas nossas mãos um sem número de possibilidades.
O acesso é livre e a leitura aliciante e fácil; aqui fica uma passagem para aguçar o apetite:
“o passo final na domesticação da biotecnologia serão os jogos biotecnológicos, desenhados como jogos de computador para crianças com idade para frequentarem jardins infantis, mas jogados com ovos e sementes reais em vez de imagens num ecrã. Brincando com tais jogos, as crianças irão adquirir uma ternura familiar pelos organismos que estão a ajudar a crescer. O vencedor talvez possa ser a criança cuja semente produzir o cacto mais espinhoso ou o miúdo cujo ovo chocar o dinossauro mais perspicaz”.
Pode ler aqui os comentários de outros e especialistas e a resposta do autor.
quarta-feira, setembro 12, 2007
Lá como cá
Que é ter vergonha na cara?
Benjamin Franklin (1706-1790) foi editor, refinado intelectual, escritor, pensador, naturalista, inventor, educador e político. Propunha como projeto de vida um pragmatismo esclarecido, assentado sobre o trabalho, a ordem e a vida simples e parcimoniosa. Foi um dos pais fundadores da pátria norte-americana e participante decisivo na elaboração da Constituição de 1776. Neste mesmo ano, foi enviado à França como embaixador. Frequentava os salões e era celebrado como sábio a ponto de o próprio Voltaire, velhinho de 84 anos, ir ao seu encontro na Academia Real. Certa tarde, encontrava-se no Café Procope, em Saint-Germain-des-Près, quando irrompeu salão adentro um jovem advogado e revolucionário, Georges Danton, dizendo em voz alta para todos ouvirem:"O mundo não é senão injustiça e miséria. Onde estão as sanções?" E dirigindo-se a Franklin perguntou provocativamente:"Senhor Franklin, por detrás da Declaração de Independência norte-americana, não há justiça, nem uma força militar que imponha respeito". Franklin serenamente contestou: "Engano, senhor Danton. Atrás da Declaração há um inestimável e perene poder: o poder da vergonha na cara (the power of shame)".
É a vergonha na cara que reprime os impulsos para a violação das leis e que freia a vontade de corrupção. Já para Aristóteles a vergonha e o rubor são indícios inequívocos da presença do sentimento ético. Quando faltam, tudo é possível. Foi a vergonha pública que obrigou Nixon a renunciar à presidência. De tempos em tempos, vemos ministros e grandes executivos tendo que pedir imediata demissão por atos desavergonhados. No Japão, chegam a suicidar-se por não aguentarem a vergonha pública. Ter vergonha na cara representa um limite intransponível. Violado, a sociedade despreza seu violador, pois não se pode conviver sem brio.
Que é ter vergonha na cara? O dicionário Aurélio assim define:"ter sentimento da própria dignidade; ter brio." É o que mais nos falta na política, nos portadores de poder público, em deputados, senadores, executivos e em outros tantos ladrões e corruptos de colarinho branco. Com a maior cara de pau e sem vergonhice negam crimes manifestos, mentem sem escrúpulos nos interrogatórios e nas entrevistas aos meios de comunicação. São pessoas que à força de fazer o ilícito e de se sentir impunes perderam qualquer senso da própria dignidade. Roubar do erário público, assaltar verbas destinadas até para a merenda escolar ou falsificar remédios não produz vergonha na cara. Crime é a bobeira de quem deixa sinais ou permite que seja pego com a boca na botija. Nem se importam, pois sabem que serão impunes, basta-lhes pagar bons advogados e fazer recursos sobre recursos até expirar o prazo. Parte da justiça foi montada para facilitar estes recursos e favorecer os sem vergonha com poder.
No transfundo de tudo está uma cultura que sempre negou dignidade aos índios, aos negros e aos pobres. Roubou-lhes seu valor ético porque a maioria guarda vergonha na cara e tem um mínimo de brio. Como me dizia um "catador de lixo" com o qual trabalhei cerca de 20 anos: "o que mais me dói é que tenho que perder a vergonha na cara e me sujeitar a viver do lixo. Mas não sou "catador", sou trabalhador que com o meu trabalho digno consigo alimentar minha família". Se nossos políticos desavergonhados tivessem a vergonha desse trabalhador, digna e dignificante seria a política de nosso pais.
Leonardo Boff
Publicado no seu site em 10/08/2007 e aqui afixado com a sua autorização
terça-feira, setembro 11, 2007
Em memória de Salvador Allende
Para ti Salvador
Allende, en la furia del mar junto al litoral
se sostiene el eco de insólitos recuerdos
del heroico e infalible luchador social
sus sueños no cesarán y su vida entregara.
Allende, por las alturas de los Andes
tu alma traicionada y doliente vaga y vuela
buscando el corazón de un pueblo dormido
y una verdad distorsionada solo queda.
Allende, en las frías alamedas despierta
el desencanto de las metrallas del odio
que callaron el timbre tranquilo de tu voz
y la luz febril de tu palabra ausente.
Allende, vives en esperanzados rincones
y donde ha habido una llama por apagarse
miles se han encendido para iluminarte
y el pueblo lento espera para organizarse.
Allende, compañero consecuente del alma
Chile hoy se sostiene en una aparente calma.
Las luchas sociales más desigual que antes;
el pobre más pobre y los ricos delirantes.
Sergio Mouat*
*poeta chileno
***
Chile Vive
Para matar al hombre de la paz
para golpear su frente limpia de pesadillas
tuvieron que convertirse en pesadilla,
para vencer al hombre de la paz
tuvieron que congregar todos los odios
y además los aviones y los tanques,
para batir al hombre de la paz
tuvieron que bombardearlo, hacerlo llama,
porque el hombre de la paz era una fortaleza
Para matar al hombre de la paz
tuvieron que desatar la guerra turbia,
para vencer al hombre de la paz
y acallar su voz modesta y taladrante
tuvieron que empujar el terror hasta el abismo
y matar más para seguir matando,
para batir al hombre de la paz
tuvieron que asesinarlo muchas veces
porque el hombre de la paz era una fortaleza,
Para matar al hombre de la paz
tuvieron que imaginar que era una tropa,
una armada, una hueste, una brigada,
tuvieron que creer que era otro ejército,
pero el hombre de la paz era tan sólo un pueblo
y tenía en sus manos un fusil y un mandato
y eran necesarios más tanques, más rencores
más bombas, más aviones, más oprobios
porque el hombre de la paz era una fortaleza
Para matar al hombre de la paz
para golpear su frente limpia de pesadillas
tuvieron que convertirse en pesadilla,
para vencer al hombre de la paz
tuvieron que afiliarse siempre a la muerte
matar y matar más para seguir matando
y condenarse a la blindada soledad,
para matar al hombre que era un pueblo
tuvieron que quedarse sin el pueblo.
Mario Benedetti **– Homenagem a Salvador Allende
**poeta uruguaio
segunda-feira, setembro 10, 2007
Os mortos
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça
Ferreira Gullar* - De Muitas Vozes (1999)
*poeta brasileiro
domingo, setembro 09, 2007
Assim vai o jornalismo – II
Repórteres Sem Fronteiras
Por Salim Lamrani
Robert Ménard, da Repórteres Sem Fronteiras, anda a reboque de Washington e legitima a tortura.
Robert Ménard, o secretário geral da organização parisiense Repórteres Sem Fronteiras (RSF) desde 1985, é uma personagem extremamente mediática que reclama defender a “liberdade de imprensa” e se mascara sob um discurso humanista bastante apreciado pela opinião pública. Graças ao conluio dos meios de comunicação social, Ménard converteu-se numa personagem iniludível do mundo da imprensa.
No entanto, as suas acções não suscitam unanimidade. A flagrante falta de imparcialidade de que a RSF dá provas tem sido denunciada muitas vezes. A organização francesa, financiada por corporações económicas e financeiras bem como pelos Estados Unidos, como reconheceu publicamente o seu secretário geral, tem levado a cabo campanhas mediáticas curiosamente semelhantes à agenda política da Casa Branca. Assim, a RSF, sob o pretexto de defender a liberdade de imprensa, assanhou-se repetidamente contra Cuba, apoiou o golpe de estado contra o presidente venezuelano Hugo Chávez em Abril de 2002, aprovou implicitamente a sangrenta invasão do Iraque em 2003 e legitimou o golpe de Estado contra o presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide. Actualmente, a RSF desenvolve uma campanha mediática espectacular contra a China e os Jogos olímpicos de Pequim.
O artigo completo, em castelhano, pode ser encontrado aqui.
sábado, setembro 08, 2007
Reflexão
Há certas almas
como as borboletas,
cuja fragilidade de asas
não resiste ao mais leve contato,
que deixam ficar pedaços
pelos dedos que as tocam.
Em seu voo de ideal,
deslumbram olhos,
atraem as vistas:
perseguem-nas,
alcançam-nas,
detêm-nas,
mas, quase sempre,
por saciedade
ou piedade,
libertam-nas outra vez.
Elas, porém, não voam como dantes,
ficam vazias de si mesmas,
cheias de desalento...
Almas e borboletas,
não fosse a tentação das cousas rasas;
- o amor de néctar,
- o néctar do amor,
e pairaríamos nos cimos
seduzindo do alto,
admirando de longe!...
Gilka Machado (in Sublimação, 1928)
sexta-feira, setembro 07, 2007
O que os nossos media não contam – II
Hugo Chavez e a reforma constitucional
Por Salim Lamrani
O projecto de reforma constitucional que o presidente venezuelano apresentou em 15 de Agosto de 2007 provocou uma histeria mediática internacional sem precedentes. Durante vários dias, a imprensa ocidental concentrou-se de forma obsessiva neste acontecimento, afinal de contas banal. A proposta prevê a modificação de 33 dos 350 artigos da Constituição de 1999, mas os media focalizaram apenas um único aspecto: o Artigo 230 e a derrogação do limite dos mandatos presidenciais que, actualmente, são dois. A imprensa francesa, entre outras, denunciou imediatamente a vontade de Chavez de “permanecer no poder” e criticou “a tentação do poder total” do presidente venezuelano que quereria “assumir a posição de líder intocável”.
Como englobada na expressão entre outras se encontra, iniludivelmente, a comunicação social portuguesa, recomendo a leitura do artigo Salim Lamrani, professor, escritor e jornalista francês, que está disponível aqui, em versão castelhana.
quinta-feira, setembro 06, 2007
Assim vai o jornalismo
Brasil - A ditadura da mídia monopolista mercantil
O que mais chama a atenção na entrevista do Lula ao Estadão não são seus argumentos mas, antes de tudo, o fato de que o discurso do governo não chega à população. Oferece-se um cardápio aparentemente diferenciado de cronistas, de jornais, de revistas, de canais de televisão, de rádios, mas em nenhum deles a população fica conhecendo a opinião do governo, a justificativa dos seus atos, a palavra do presidente em que o povo majoritáriamente votou para eleger e reeleger como presidente do Brasil.
Os órgãos da mídia da oligarquia privada reivindicam publicidade do governo conforme o que seria a audiência que teriam nas pesquisas. E atacam violentamente qualquer recurso que o governo destine a órgãos públicos de divulgação ou à publicidade das ações do governo.
No entanto, qual é a pesquisa mais abrangente, em que o povo brasileiro, depois de muitos meses de campanha, dispondo de várias alternativas, se pronunciou sobre sua vontade política? O processo eleitoral do ano passado. O que esse processo apontou? Que Lula dispõe de ampla maioria - apesar da brutal oposição monopolista -, delegada democraticamente pelo povo brasileiro para governar o país. O que lhe impõe também a obrigação de relatar ao povo brasileiro sobre as realizações e os problemas do seu governo, o que deve fazer mediante órgãos públicos e divulgação na imprensa em geral.
Um dos maiores erros do governo foi o de minimizar a democratização dos meios de comunicação, como que aceitando que quatro famílias detentoras de meios privados, queiram deter o monopólio da formação da opinião pública. Para testar se há democracia e pluralismo na imprensa brasileira, podemos perguntar-nos: eram conhecidos publicamente os argumentos de Lula? Só na campanha eleitoral, quando as candidaturas dispõem de espaços públicos para se manifestar, independentemente da imprensa monopolista privada. No que depender desta só sua voz domina o espaço público.
Conhecemos a reiteração cotidiana dos argumentos da oposição, em que os jornais são cada vez mais parecidos entre si, as colunas dos jornais e da televisão parecem escritos pela mesma pessoa, em que os desígnios autoritários das quatro famílias se impõem na fabricação ditatorial das informações, em que a editorialização predomina sobre a informação.
Não há na imprensa o ponto de vista do governo, que é majoritário no país. A imprensa monopolista privada, assim, revela ser uma imprensa anti-democrática, não pluralista, que não respeita o direito da maioria, que não reflete a vontade e o interesse da maioria da população. É uma imprensa opositora, derrotada nas eleições gerais do país, de forma democrática e insofismável. Mas que insiste em afirmar, de forma falsa, que representa "os interesses do país", quando na verdade defendem os pontos de vista e os interesses derrotados, minoritários no Brasil.
Valem-se da força que o monopólio privado lhes concede para tentar impor esses interesses contra a maioria da população. Impedem que o ponto de vista majoritário seja expresso nos espaços que controlam. Tentam se situar como juízes da democracia, quando o que impera nas suas empresas é o nepotismo, a propriedade familiar, sem nenhum controle democrático, redações sem democracia, colunistas que escrevem na mesma linha de apoio à posição dos donos do jornal, noticiário totalmente editorializado, espaços sem pluralismo, nem debate entre posições diferenciadas, oposição politica cega, de direita, conservadora, anti-popular. Não há democracia nos meios de comunicação no Brasil, campo dominado por algumas empresas familiares, monopolistas, mercantis. São um núcleo homogêneo nos pontos de vista e nos interesses que defendem, que tem que ser derrotado pela combinação de políticas públicas democráticas, pluralistas, por iniciativas populares e democráticas fora do Estado, que representem os pontos de vista hoje dominantes no país, e que derrotem a hegemonia oligopólica nos meios de comunicação.
Sem democratização dos meios de comunicação, o Brasil nunca chegará a ser uma democracia.
Emir Sader *
Cientista político, UERJ
Retirado daqui
quarta-feira, setembro 05, 2007
O que os nossos media não contam
Venezuela – RCTV: Um instrumento da CIA?
Por Chris Carlson
Eladio Lárez, presidente da Rádio Caracas TV (RCTV) não é um estranho para a CIA. De facto, a relação de Eladio com a Agência remonta há cerca de 20 anos. Em 1989 Lárez ajudou a CIA a canalizar dinheiro, através da Venezuela, para a oposição nicaraguense, quando esta tentava derrubar o governo Sandinista através da desestabilização e da violência maciça. Lárez foi, de facto, tão servil que chegou ao ponto de criar uma falsa fundação na Venezuela, chamada Fundação Nacional para a Democracia, como fachada para receber dinheiro da CIA e utilizá-lo para financiar as operações do principal jornal da oposição na Nicarágua.
Será que algo de semelhante se está a passar, agora, com a tão badalada RCTV da Venezuela? Perante o servilismo e a falta de profundidade da nossa imprensa escrita e falada (com uma ressalva para o jornalista Miguel Carvalho que escreveu, na edição digital da Visão, três artigos dedicados ao assunto, tendo, por isso, sido violentamente insultado por muitos leitores), vale a pena ler a análise de Chris Carlson, jornalista estado-unidense independente e activista a residir na Venezuela. Pela clareza e pelas abundantes fontes citadas, um artigo a não perder para podermos ajuizar com alguma independência.
Quem preferir a versão original em inglês, pode encontrá-la aqui. Quem desejar a tradução castelhana, pode lê-la neste sítio.
terça-feira, setembro 04, 2007
E Cristo chorou nos jardins do Vaticano
Andando pelas comunidades eclesiais de base do Norte amazónico, lá onde viceja uma Igreja pobre e libertadora, ouvi de um líder comunitário, bom conhecedor da leitura popular da Bíblia, a seguinte visão que ele pretende ter sido verdadeira.
Estava um dia a caminho do centro comunitário quando se viu transportado, não sei se em sonho ou em espírito, aos jardins do Vaticano. Viu de repente um Papa, não era nenhum dos conhecidos, todo de branco, cercado pelos seus principais cardeais conselheiros. Faziam o costumeiro passeio após o almoço, andando pelos jardins floridos do Vaticano. De repente, o Papa vislumbrou, a uns poucos metros de distância, a figura do Mestre. Este sempre aparece disfarçado seja como jardineiro seja como andarilho a caminho de Emaús. Mas o sucessor de Pedro, afastando-se do grupo de cardeais, com fino tato, identificou logo o Ressuscitado. Ajoelhou-se e quis proferir a profissão de fé que fez Pedro ser pedra sobre a qual se constrói a Igreja ("Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo") quando foi atalhado por Jesus. Olhando o palácio do Vaticano ao longe e o perfil dos prédios da Santa Sé, disse Jesus com voz entristecida:"Não te bendigo, Simão, filho de Jonas e sucessor de Pedro, porque tudo isso não foi inspirado por meu Pai que está nos céus mas pela carne e pelo sangue. Digo-te a ti que não foi sobre estas pedras que edifiquei minha Igreja, porque temia que então as portas do inferno poderiam prevalecer contra ela".
O Papa ficou perplexo e olhou o rosto do Senhor. Viu que caiam-lhe furtivamente duas lágrimas dos olhos. Lembrou-se de Pedro que o havia traído duas vezes e que, arrependido, chorara amargamente. Quis proferir alguma palavra, mas esta lhe morreu na garganta. Começou também ele a chorar. Nisso o Senhor desapareceu.
Os Cardeais ouviram as palavras do Mestre e se apressaram em amparar o Papa. Este logo lhes disse com grande severidade:"Irmãos, o Senhor me abriu os olhos. Por isso, as coisas não podem ficar assim. Ajudem-me a realizar a vontade do Senhor".
O Cardeal camerlengo, o mais ancião de todos, afirmou:"Santidade, iremos, sim, fazer alguma coisa no seguimento de Jesus e na tradição dos Apóstolos. Amanhã reuniremos todo o colégio cardinalício presente em Roma e, invocando o Espírito Santo, decidiremos como vamos proceder, consoante as palavras do Senhor".
Todos se afastaram pesarosos, vindo-lhes à memória aquelas cenas do Novo Testamento que se referem a Jesus chorando sobre a cidade santa, que matava seus profetas e apedrejava os enviados de Deus e que se negava a reunir seus filhos e filhas como a galinha que recolhe os pintainhos debaixo de suas asas.
Alguns, entretanto, comentavam: "irmãos, sejamos realistas e prudentes, pois nos toca viver neste mundo que ajudamos a construir. Podemos negar nossa história? Mas vejamos o que o Espírito nos inspira".
No dia seguinte, quando os cardeais se dirigiam à sala do consistório, graves e cabisbaixos, o secretário do Papa veio correndo e lhes comunicou quase aos gritos: "O Papa morreu, o Papa morreu".
Celebraram-se os funerais com a pompa costumeira dos cardeais em suas vestes luzidias e coloridas, vindos de todas as partes do mundo. Uma semana após, sepultaram o Papa.
E ninguém mais lembrou das palavras que o Senhor havia dito.
Leonardo Boff
Publicado no site do autor em 20/07/2007 e aqui afixado com a sua autorização.
segunda-feira, setembro 03, 2007
António Sérgio
António Sérgio, nascido em Damão há 124 anos, foi um dos mais importantes intelectuais portugueses contemporâneos (faleceu em 1969).
Ensaísta e pedagogo, deixou uma vasta obra em vários campos da filosofia, com particular incidência na filosofia da educação, a cuja reforma devotou toda a sua vida.
As palavras abaixo transcritas fazem parte de uma biografia em diálogos ficcionais com o escritor, na qual o estudioso Alfredo Campos Matos procura interpretar as ideias de António Sérgio. Reproduzo-as porque, infelizmente, mantêm toda a sua actualidade, pois os estado da educação parece não ter melhorado. Bom seria que quem tem a responsabilidade de decidir no campo da educação lesse atentamente a obra deste português enorme.
O objectivo da escola consistiria no seu entender...
“[Em] emancipar os indivíduos, servir o progresso social; e treinar as inteligências, a fim de as tornar cada vez mais plásticas, universalistas e libertas de limitações, como exige a moderna democracia: é familiarizar a juventude com o manejo das realidades, preparando no estudante um produtor moderno, cooperador em planos de acção comum - entendendo-se por isto, quer o produtor no domínio económico quer o criador na ciência e na arte; o objectivo do ensino, em resumo, é fomentar a capacidade de um desenvolvimento contínuo, de uma racionalização intérmina da experiência, preparando os Portugueses para uma vida mais humana mais progressiva, mais fecunda, dentro de uma forma social mais justa.
(...)
Educar uma criança enviando-a à actual escola é como preparar um automobilista metendo-o no museu dos coches reais. O mestre supõe que o aluno não viverá da vida de hoje . (...) O primeiro passo do educador deveria ser determinar, tanto quanto possível, o que exige de nós concretamente a sociedade contemporânea, para sua maior felicidade, justiça e harmonia, e como o trabalho educativo poderia satisfazer tais exigências, de maneira que na escola se reproduzissem, num nível alto, os problemas da sociedade. Seguir-se-ia a este exame uma reforma do espírito escolar, segundo as concretas necessidades do desenvolvimento social.”
A.Campos Matos - Diálogo com António Sérgio(1983)
Texto retirado do sítio dedicado a António Sérgio pela professora Maria Helena Pereira
domingo, setembro 02, 2007
Cultura
O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.
O bigode é a antena do gato.
O cavalo é o pasto do carrapato.
O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.
O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.
O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.
A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.
O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.
O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.
O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.
Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.
Arnaldo Antunes*
*poeta e cantor brasileiro
sábado, setembro 01, 2007
Igreja mal frequentada
A Igreja a que pertenço está a tornar-se numa instituição mal frequentada.
Com efeito, nos últimos anos, para além de todos os escândalos de pedofilia que vieram a lume, mostrando a incapacidade da instituição para preparar e seleccionar, com um mínimo de rigor, os seus ministros, e proteger as crianças que lhe são confiadas por pais de boa fé, tem-se verificado um conjunto de situações que deixam perplexos inúmeros membros de boa vontade e pensamento livre, entre os quais me incluo, a saber:
A condenação à “fogueira inquisitorial” de um sem número de teólogos, que culminou com o recente silenciamento de Jon Sobriño;
A exibição, como se de um troféu se tratasse, da figura incapacitada e digna de comiseração do papa anterior;
A escolha, em golpe palaciano, do “inquisidor” da linha dura para o lugar entretanto deixado vago;
Os autos de fé praticados em África, com a queima em massa de preservativos enviados por governos de países ricos e ONG’s para tentar travar o avanço da SIDA;
Os esforços para o regresso ao redil dos retrógrados da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, que já avisaram que só regressam se toda a evolução pós Vaticano II for revertidada;
O anúncio da conversão ao catolicismo de um mentiroso de alto gabarito, cujos ex-governados apodaram, jocosamente e brincando com o seu nome, de “be liar”;
A luta sem quartel, travada por dois conhecidos membros do Opus Dei, pelo poder no maior banco privado cá do burgo, que culminou, ontem, com a “degola” do jovem “Isaac” pelo ancião e pai “Abraão”;
E por último, mas não menos sintomática, a divulgada conversão da inefável vira-casacas Zita Seabra.
Parafraseando Cícero, apetece dizer: Quo usque tandem abutere, Ecclesia, patientia nostra?