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sexta-feira, agosto 24, 2007

Sortimento de Gorras ...
Se temos Deputados, Senadores, Bons Ministros, e outros chuchadores; Que se aferram às tetas da Nação Com mais sanha que o Tigre, ou que o Leão; Se já temos calçados mac-lama, Novidade que esfalfa a voz da Fama, Blasonando as gazetas que há progresso, Quando tudo caminha p’ro regresso: Não te espantes, ó Leitor, da pepineira, Pois que tudo no Brasil é chuchadeira! ... Se faz oposição o Deputado, Com discurso medonho, enfarruscado; E pilhada a maminha da lambança, Discrepa do papel, e faz mudança; Se esperto capadócio ou maganão, Alcança de um jornal a redação, E com quanto não passe de um birbante, Vai fisgando o metal aurissonante: Não te espantes, ó Leitor, da pepineira, Pois que tudo no Brasil é chuchadeira! ... Se a Justiça, por ter olhos vendados, É vendida, por certos Magistrados, Que o pudor aferrando na gaveta, Sustentam que o Direito é pura peta; E se os altos poderes sociais, Toleram estas cenas imorais; Se não mente o rifão, já mui sabido: Ladrão que muito furta é protegido - É que o sábio, no Brasil, só quer lambança, Onde possa empantufar a larga pança! Luís da Gama* *poeta paulista falecido a 24 de Agosto de 1882 Esta sátira tem cerca de 150, mas mantém toda a sua actualidade, quer do lado de lá quer do lado de cá do Atlântico. Pelo sua extenção, deixo 3 estrofes como aperitivo. O sátira completa está no primeiro comentário.

1 comentário:

  1. Sortimento de Gorras

    Se o grosseiro alveitar ou charlatão
    Entre nós se proclama sabichão;
    E, com cartas compradas na Alemanha,
    Por anil nos impinge ipecacuanha;
    Se mata, por honrar a Medicina,
    Mais voraz do que uma ave de rapina;
    E num dia, se errando na receita,
    Pratica no mortal cura perfeita;
    Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
    Pois tudo no Brasil é raridade!

    Se os nobres desta terra, empanturrados,
    Em Guiné têm parentes enterrados;
    E, cedendo à prosápia, ou duros vícios,
    Esquecendo os negrinhos seus patrícios;
    Se mulatos de cor esbranquiçada,
    Já se julgam de origem refinada,
    E curvos à mania que domina,
    Desprezam a vovó que é preta-mina:
    Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
    Pois tudo no Brasil é raridade!

    Se o Governo do Império Brasileiro,
    Faz coisas de espantar o mundo inteiro,
    Transcendendo o Autor da geração,
    O jumento transforma em sor Barão;
    Se o estúpido matuto, apatetado,
    Idolatra o papel de mascarado;
    E fazendo-se o lorpa deputado,
    N’Assembléia vai dar seu apolhado!
    Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
    Pois tudo no Brasil é raridade!

    Se impera no Brasil o patronato,
    Fazendo que o Camelo seja Gato,
    Levando o seu domínio a ponto tal,
    Que torna em sapiente o animal;
    Se deslustram honrosos pergaminhos
    Patetas que nem servem p’ra meirinhos
    E que sendo formados Bacharéis,
    Sabem menos do que pecos bedéis:
    Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
    Pois que tudo no Brasil é raridade!

    Se temos Deputados, Senadores,
    Bons Ministros, e outros chuchadores;
    Que se aferram às tetas da Nação
    Com mais sanha que o Tigre, ou que o Leão;
    Se já temos calçados mac-lama,
    Novidade que esfalfa a voz da Fama,
    Blasonando as gazetas que há progresso,
    Quando tudo caminha p’ro regresso:
    Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
    Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!

    Se contamos vadios empregados,
    Porque são de potências afilhados,
    E sucumbe, à matroca, abandonado,
    O homem de critério, que é honrado;
    Se temos militares de trapaça,
    Que da guerra jamais viram fumaça,
    Mas que empolgam chistosos ordenados,
    Que ao povo, sem sentir, são arrancados:
    Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
    Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!

    Se faz oposição o Deputado,
    Com discurso medonho, enfarruscado;
    E pilhada a maminha da lambança,
    Discrepa do papel, e faz mudança;
    Se esperto capadócio ou maganão,
    Alcança de um jornal a redação,
    E com quanto não passe de um birbante,
    Vai fisgando o metal aurissonante:
    Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
    Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!

    Se a guarda que se diz Nacional,
    Também tem caixa-pia, ou musical,
    E da qual dinheiro se evapora,
    Como o Mal da boceta de Pandora;
    Se depois por chamar nova pitança,
    Se depois se conserva a - Esperança;
    E nisto resmungando o cidadão
    Lá vai ter ao calvário da prisão;
    Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
    Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!

    Se temos majestosas Faculdades,
    Onde imperam egrégias potestades,
    E, apesar das luzes dos mentores,
    Os burregos também saem Doutores;
    Se varões de preclara inteligência,
    Animam a defender a decadência,
    E a Pátria sepultando em vil desdouro,
    Perjuram como Judas - só por ouro:
    É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
    Onde possa empantufar a larga pança!

    Se a Lei fundamental - Constipação,
    Faz papel de falaz camaleão,
    E surgindo no tempo de eleições,
    Aos patetas ilude, aos toleirões;
    Se luzidos Ministros, d’alta escolha,
    Com jeito, também mascam grossa rolha;
    E clamando que são independentes,
    Em segredo recebem bons presentes:
    É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
    Onde possa empantufar a larga pança!

    Se a Justiça, por ter olhos vendados,
    É vendida, por certos Magistrados,
    Que o pudor aferrando na gaveta,
    Sustentam que o Direito é pura peta;
    E se os altos poderes sociais,
    Toleram estas cenas imorais;
    Se não mente o rifão, já mui sabido:
    Ladrão que muito furta é protegido -
    É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
    Onde possa empantufar a larga pança!

    Se ardente campeão da liberdade,
    Apregoa dos povos a igualdade,
    Libelos escrevendo formidáveis,
    Com frases de peçonha impenetráveis;
    Já do Céu perscrutando alta eminência
    Abandona os troféus da inteligência;
    Ao som d’aragem se curva, qual vilão,
    O nome vende, a glória, a posição:
    É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
    Onde possa empantufar a larga pança!

    E se eu, que amigo sou da patuscada,
    Pespego no Leitor esta maçada;
    Que já sendo avezado ao sofrimento,
    Bonachão se tem feito pachorrento;
    Se por mais que me esforce contra o vício
    Desmontar não consigo o artifício;
    E quebrando a cabeça do Leitor
    De um tarelo não passo, ou falador;
    É que tudo que não cheira a pepineira
    Logo tacham de maçante frioleira.

    Luís da Gama*

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