Amália da Piedade Rodrigues, filha de um músico sapateiro beirão que, para sustentar os quatro filhos e a mulher, tentou a sua sorte na capital, terá nascido, segundo o seu assento de nascimento, a 23 de Julho de 1920, na freguesia lisboeta da Pena, mas queria que o aniversário fosse celebrado a 1 de Julho ("no tempo das cerejas"), e dizia : talvez por ser essa a altura do mês em que havia dinheiro para me comprarem os presentes.
Sobre Amália já quase tudo foi dito, incluindo algumas graves acusações - julgo que totalmente infundadas, pelo que se veio a saber mais tarde - no imediato pós Abril, de ter sido uma cara do regime salazarento.
A verdade é que seu fado de Peniche foi proibido por ser considerado um hino aos que se encontravam presos em Peniche e o poema de Pedro Homem de Mello, Povo que lavas no rio, por si cantado, ganhou dimensão política. E a democracia viria a reconhecer os seus méritos, condecorando-o pela mão de Mário Soares e destinando-lhe um lugar no Panteão Nacional, como grande propagadora que foi da cultura portuguesa, da língua portuguesa e do Fado.
Mesmo quem não aprecia este tipo de música (eu gosto), concordará que ainda está para nascer quem cante de forma tão sublime centenas de poemas de nomes maiores da nossa literatura, entre eles Barco Negro, de David Mourão Ferreira:
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
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