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sábado, junho 23, 2007

Acorda, Portugal! Pela sua relevância, transcrevo mais uma reflexão afixada no Diário Aberto do Padre Mário de Macieira da Lixa em 20 do corrente:
A Europa comunitária volta a estar em peso em Portugal, quando, por estes dias, o nosso primeiro-ministro assumir a presidência da União Europeia. Aliás, pode dizer-se que já cá está em peso, uma vez que ele já começou, há semanas, a multiplicar viagens e contactos, como preparação para a presidência. Temo, por isso, que o país fique ainda mais à deriva do que já está, durante os próximos seis meses da presidência portuguesa da União. Por outro lado, não vejo que a presidência nos diga respeito a todos, como povo. Não somos tidos nem achados. Provavelmente, só teremos de pagar a factura. No que respeita a tomar decisões, não existimos. Tratam-nos como coisas. Provavelmente, é assim nos 27 países que constituem a União. Se é, estamos perante um verdadeiro desastre europeu. Os cidadãos europeus, de que tanto se fala com orgulho na voz, não passam duma ficção. Tudo acontece nas nossas costas. Sem nós. Reduzem-nos a meros espectadores. Os executivos, e só eles, correm de um lado para o outro. De avião em avião. Multiplicam encontros e reuniões. Parece que trabalham muito. Que estão muito preocupados com o nosso bem-estar e a nossa felicidade. Mas a verdade é que não querem nada connosco. Somos zeros à esquerda. Numa Europa de executivos e de multinacionais, somos zeros à esquerda. O que é gravíssimo. E já nem protestamos. Parece até que preferimos que as coisas sejam assim. Puxar pela cabeça, ter ideias, avançar sugestões e propostas, elencar problemas, encontrar soluções, assumir novas práticas, desencadear dinâmicas de intervenção, numa palavra, sermos cidadãs, cidadãos europeus no pleno sentido da palavra, não é connosco. Com que facilidade abdicamos das nossas capacidades e renunciamos aos nossos deveres comunitários! Castraram-nos e nós consentimos e ainda votamos a favor de quem assim nos trata. Nem sequer nos damos conta de que uma Europa assim é um tremendo desastre. Os executivos cozinham tudo nas nossas costas e, quando dermos por isso, já estaremos com a corda na garganta. Tudo seria diferente, se nenhum passo importante fosse dado na Europa sem a nossa efectiva participação, sem a efectiva participação das cidadãs, dos cidadãos dos 27 países membros. Não apenas dos executivos. Para cúmulo, ainda mais de uns executivos do que de outros. Porque os executivos dos países mais ricos e mais poderosos pesam mais do que os executivos dos países pobres e pequenos como Portugal. Mostra-me o teu orçamento do país e dir-te-ei quanto vales. E é por isso que, mesmo numa União de países, como a Europeia, os grandes continuarão a comer os pequenos, à semelhança do que sucede com os peixes no oceano. Só que as sociedades e os países e a Europa não são meros oceanos. Mas até parece. Porque os executivos fazem tudo para nos manter à margem de tudo. Deliberações, decisões, é só com eles. Nós somos meros consumidores de eleições, cidadãs, cidadãos sem alma, sem garra, sem projectos comuns. Simplesmente passivos. Atentos e reverentes. Submissos. Não há Europa comunitária, enquanto não houver cidadãs, cidadãos participativos. Nada pode ser decidido nas nossas costas. Se consentimos, uma e outra vez, cometemos uma espécie de suicídio colectivo. Demitimo-nos da dimensão maior que nos cabe como pessoas humanas, como cidadãs, cidadãos. Os executivos agradecem. Porque assim ninguém os atrapalha. E eles podem decidir à vontade. Segundo os interesses das grandes multinacionais. Ao serviço das quais todos eles mais ou menos estão. Não sabiam? Quando não são os cidadãos, elas e eles, que governam os países, os continentes e o mundo, as multinacionais ocupam tudo como um enorme polvo e decidem de acordo com os seus interesses corporativos e egoístas. Os executivos dos diferentes países, entregues a si próprios e uns aos outros, sem os respectivos povos, caem fatalmente sob a alçada dos do Dinheiro e do Poder que nunca se submetem a eleições, nem nunca mostram a cara, porque nunca tiveram cara para mostrar. São máfias. De colarinho branco e de mãos bacteriologicamente limpas – os horrendos crimes de sangue que cometem encomendam-nos sempre aos executivos dos países! – sempre sem rosto. Infelizmente, hoje, nem as Igrejas que estão na Europa comunitária se mostram capazes de agitar estas águas paradas em que nos fazem viver. Basta ver como as conferências episcopais dos diversos países e a própria Conferência Episcopal ao nível do continente continuam a passar ao lado de toda esta problemática. Por exemplo, a Conferência Episcopal Portuguesa está, nestes dias, reunida mais uma vez em Fátima. Pensam que é a Europa e a presidência portuguesa da União Europeia que (pre)ocupa os nossos bispos? Nada disso. O que os (pre)ocupa, nesta altura do ano, é “o ministério do Bispo e a arte de presidir e de comunicar”. Vejam só! E, para isso, ainda estão a ser ajudados por especialistas de diversas áreas, como a liturgia, a comunicação social ou o mundo da cultura. Querem, no dizer do respectivo secretário, o Bispo D. Carlos, “apresentar correctamente a fé”. Mas que Fé, pergunto eu? E, comigo, podem perguntar também os portugueses, elas e eles. Sabem ao menos os bispos portugueses que uma Fé que não for jesuânica, comunhão efectiva com a mesma Fé de Jesus, é sempre fonte de alienação e ópio do povo? Temo bem que eles ainda não saibam, porque se neles actuasse já a mesma Fé de Jesus, outro, muito outro seria o seu comportamento pastoral no país. Muito mais profético, muito mais maiêutico, muito mais socrático, muito mais libertador e transformador da sociedade. Quando acordaremos, como país, como sociedade, como Europa comunitária? Quem nos há-de acordar? Onde estão as sentinelas dos povos que façam soar o alarme? Vamos a caminho do abismo e ninguém nos adverte? Onde estão os intelectuais portugueses e europeus? Já se congregaram e funcionam como um todo, como um só corpo na União Europeia? Já se assumem como intelectuais orgânicos? Ou só cuidam dos seus problemas corporativos, de melhores e mais pingues vencimentos mensais? Já têm consciência de que um intelectual que se preze tem que colocar os interesses dos povos acima dos seus próprios interesses? Ou desconhecem que a quem muito foi dado, muito será pedido? Não sabem que são responsáveis pelos seus povos? Se não sabem e muito menos praticam esta responsabilidade, então são intelectuais vendidos aos executivos e às multinacionais da nossa desgraça. Pode-se muito bem atar-lhes uma pesada mó de moinho ao pescoço e lançá-los ao mar. Para que morram como funcionários dos executivos e ressuscitem como seres humanos, irmãos e irmãs dos seus povos, verdadeiros intelectuais orgânicos, mártires vivos a favor dos seus povos. É por aqui que sempre procurei ir, como padre/presbítero da Igreja do Porto. Quando percebi que a instituição eclesiástica queria que eu fosse um seu funcionário atento e reverente, não me submeti. Também não renunciei. Ocupei os postos que me confiaram, mas sem nunca trair o povo no meio de quem vivia e para quem trabalhava. Acabei sempre a servir o povo, mais do que a instituição. E esta, obviamente, não me perdoou. E desde muito cedo deixou de me confiar novas tarefas. Mas já não conseguiu asfixiar-me, porque eu já não conseguia viver sem povo. É nele que continuo a ter os pés, as raízes. É por ele que respiro. Assim deverão ser todos os intelectuais. E todos os homens, todas as mulheres que adquiriram um pouco mais de saber e de consciência crítica do que a generalidade das populações. Os que não forem assim, desumanizam-se e vendem a sua alma aos executivos. Deixam de ser. Tornam-se uns abortos, em lugar de seres humanos. Como os executivos a quem servem. Acorda, Portugal! Acorda, meu Povo! Não vês que te estão a anestesiar todos os dias, para que tu nunca te apercebas para onde te estão a levar?

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