Laicidade e liberdade espiritual
Muitos crentes, das mais variadas confissões religiosas, sentem arrepios quando ouvem falar de laicidade. Ainda recordo os ataques de que foi alvo o Dr. Mário Soares, quando, há muitos anos e em circunstâncias que não vêm agora a propósito, se declarou “laico, republicano e socialista”. Não por se declarar “republicano”, o que legitimaria o desagrado dos monárquicos, ou “socialista”, o que poderia justificar o desacordo dos não socialistas. Mas por se afirmar “laico”, num país de longa tradição cristã.
Ora a laicidade, como deve ser entendida na sua essência, não se destina a proscrever as religiões, a eliminar o sagrado ou a proibir os locais de culto. Pode ser-se crente e laico, como eu o sou, ou ser ateu e inimigo do laicismo.
Com efeito, laicismo e laicidade derivam da palavra grega λαικος, que significa “pertencente ao povo”, “que é do povo” (povo considerado no sentido lato e não apenas no sentido estrito de eleitorado, pois para isso há o vocábulo δέμος). E é para velar pelo bem do povo que serve a laicidade: para manter o religião afastada dos poderes do Estado a fim de que todos os cidadãos possam viver cada um a sua liberdade espiritual em igualdade de direitos e sem discriminações, independentemente do tipo de culto que praticam ou de não praticarem culto algum.
Por conseguinte, a laicidade, longe de prejudicar a religiosidade, defende-a das interferências do Estado. Não cabe ao Estado dizer o que é ou não religião, se umas são melhores ou piores do que as outras nem fazer qualquer discriminação dos seus cidadãos por motivos religiosos.
Se ser a favor da laicidade significa que:
Um Estado não deve ordenar os membros do clero, como acontece na China;
Os membros do clero não devem ser funcionários do Estado, pagos pelo erário público, como acontece na Alemanha;
As organizações religiosas não devem ter benefícios (fiscais e outros) que são negados a outras pessoas colectivas que se dedicam a actividades similares, como se verifica nos Estados Unidos;
O Estado, ao legislar, não deve ter subjacentes princípios religiosos, como acontece em tantos países do mundo;
A abertura de locais de culto, desde que a expensas dos crentes e em locais adequados à sua edificação, deve ser permitida;
A esfera privada, de que faz parte a liberdade espiritual, não deve ser confundida com o individual, já que aquela inclui a dimensão colectiva das associações religiosas ou filosóficas formadas por pessoas que escolhem a mesma opção espiritual;
O Estado, na sua legitimidade democrática, deve ter mão firme sobre aqueles que utilizam a religião, ou a negação dela, para cometerem atentados contra a liberdade espiritual dos outros ou contra as regras democráticas,
então, todos deveríamos ser a favor da laicidade. Penso, mesmo, que quem defende a democracia só pode considerar-se laico.
Absolutamente de acordo!
ResponderEliminarExcelente texto.
ResponderEliminarSofia e Ricardo:
ResponderEliminarMuito obrigado pelos vossos comentários.
Gostei muito deste texto, Lino!.. Ainda não tinha tomado conhecimento do som do silêncio!... ;)
ResponderEliminarObrigado pela visita, Cinderela!
ResponderEliminarEste cantinho só existe desde o dia 1 de Dezembro.
Então, bons augúrios para 2007! :) Para o blog, o blogger e todos aqueles que ama!
ResponderEliminarOlá Lino!
ResponderEliminarQue bom foi encontrar este espaço. Este post está muito bom. A falta de uma cultura da laicidade foi o "pecado mortal" da igreja eo longo de quase 17 séculos...
Com efeito, nao encontro atitude mais laica que a de Jesus de Nazaré!
Obrigado pela Lucidez.
SHALOM
E eu também não, Rui!
ResponderEliminarPor isso é que sou um "não alinhado", embora conheça muitos que pensam como eu mas não podem dizê-lo às claras. Já fui ao "derrotar montanhas", que não conhecia, e vou voltar.
SHALOM