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terça-feira, novembro 30, 2010

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião, 
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo, 
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


(Fernando Pessoa faleceu há 75 anos)

segunda-feira, novembro 29, 2010

Eu-Mulher

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.

Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo

Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.


(Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte a 29 de Novembro de 1946)

domingo, novembro 28, 2010

Fingimento

Iludo o sentido
Da vida em que vivo.
O mundo que sinto
É mundo que minto.

É mundo pensado
Aquém, do outro lado
Da margem do rio
Com águas em fio.

A imagem dos astros,
Das velas, dos mastros,
Das nuvens, das margens
É sombra de imagens.

Perdidas no fundo
Do engano do mundo.
Não quero a certeza
Da minha tristeza.

Deixai-me à vontade
Naquela verdade
Pensada e fingida
Que é logro de vida.

Se minto o que sinto,
De tudo o que minto
Iludo o sentido
Da vida que vivo.


(José Campos de Figueiredo morreu em Coimbra em 28 de Novembro de 1965)

sábado, novembro 27, 2010

Violência de punho de lua

Na noite escura
Rachei uma pedra
Onde encontrei escondida
- vede - esta lua.

Tomem-na, poetas,
Uivem!

José Gomes Ferreira
Cretinos no poder

Este mês, em dia que não conseguimos confirmar, no ano 453 a.C., verificou-se terrível encontro entre os aguerridos exércitos da Beócia e de Creta. Segundo relatam as crónicas, venceram os cretinos, que até agora se encontram no governo.


(Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, também conhecido por Apporelly e pelo falso título de nobreza de Barão de Itararé, foi um jornalista, escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro que faleceu a 27 de Novembro de 1971)

sexta-feira, novembro 26, 2010

Donos…

Eu não sou dono de nada.
Meus filhos
não serão donos de nada.

Eu não sou dono de nada
porque hoje
alguns são donos de tudo.
Meus filhos
não serão donos de nada
porque amanhã
ninguém será dono de nada.
Todos serão donos de tudo.


(Mário Lago nasceu a 26 de Novembro de 1911)
A Fonte

não mudes do pinhal
a fonte
sempre tem
um murmúrio casual
de vigiar quem passa
que vem
de ver o mar, tão servo
do sol, ave de fogo no horizonte


(Mário Cesariny faleceu em 26 de Novembro de 2006)

quinta-feira, novembro 25, 2010

Política de Interesse

Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.

A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.

A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.

À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.

Eça de Queiroz, in Distrito de Évora (1867)

Quase 150 anos depois tudo continua na mesma. Apenas os inteligentes deixaram de subir à arena.

(Eça de Queiroz nasceu a 25 de Novembro de 1845)

quarta-feira, novembro 24, 2010

Poema da Terra Adubada

Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.

As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.

Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.

Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.

António Gedeão, in Linhas de Força

(Rómulo de Carvalho nasceu em Lisboa a 24 de Novembro de 1906)

terça-feira, novembro 23, 2010

Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


(o poeta madeirense completa hoje 80 anos)

segunda-feira, novembro 22, 2010

Despojamento 
 
Eliminei o excesso de paisagem
simplifiquei toda a decoração
retirei quadros flores ornamentos
apaguei velas copos guardanapos
e a música  

Bani a inutilidade do discurso  

Na mesa de madeira
nua
apenas dois pratos
brancos
sem talheres 

O banquete será tua presença

Ivo Barroso

(poeta brasileiro)

domingo, novembro 21, 2010

Pastoreio

Fui pastor de destinos
soltos nas ventanias.

Fui pastor de sonhos,
de abismos e insônias.

Hoje pastoreio as horas,
colho o mel das palavras.

Pastoreio metáforas
na inocência do branco.

Pastoreio murmúrios
diluídos nos ermos

Pastoreio estribilhos
na memória e nas veias

Ovelhas não navegam
as águas de meus olhos.

Ovelhas não ruminam
o itinerário de meu verbo.

Ovelhas não buliram
a sofreguidão de meu rosto.

Hoje sem dardos e cajado
pastoreio a mim mesmo...

Joanyr de Oliveira

(poeta mineiro)

sábado, novembro 20, 2010

Às novas guerras



























Consta que foi vinho com este rótulo que foi servido aos convivas da cimeira. Está tudo a condizer.
Saudade  

Alguma vez soubeste o que é saudade,
que faz da nossa vida uma agonia?
Alguma vez no espaço dum só dia,
sonhaste percorrer a eternidade?  

Perdeste alguma vez a Liberdade?
Sentiste emurchecer tua alegria,
como ao cair da noite murcha o dia,
no derradeiro tom da claridade?...

Se nunca presumiste o que era amor,
despindo as galas e vestindo a dor,
se uma saudade, enfim, não conheceste,

não saias do limite da razão
para atender a voz do coração,
que o maior mal ainda o não sofreste!...


(Marta Mesquita da Câmara faleceu no Porto a 20 de Novembro de 1980)

sexta-feira, novembro 19, 2010

Coincidências…
















Não, não é uma imagem futurista de jornalistas a divertirem-se no Parque Tejo no próximo Domingo, após a Cimeira da Nato em Lisboa, mas bem podia ser. Trata-se apenas da placa que sinaliza o fim de uma povoação inglesa com o simpático nome de “Fucking”.
Turbulência

O vento experimenta
o que irá fazer
com sua liberdade...


(João Guimarães Rosa faleceu a 19 de Novembro de 1967)

quinta-feira, novembro 18, 2010

O transporte do lixo














O burro em pé da falcoaria que tem enterrado o país no último quarto de século já começou a transportar do aeroporto de Lisboa para o Parque das Nações algum do lixo andante que vem para a grande farra da guerra. A primeira clientela chegou de um país no meio do Atlântico Norte chamado Afeganistão.
O Medo

Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?


(Manuel António Pina nasceu no Sabugal a 18 de Novembro de 1943)

quarta-feira, novembro 17, 2010

Das Quatro Estações - O Outono

Novembro apagou nas buganvílias
seus nomes brancos, roxos, escarlates.

É mais difícil regressar a casa:
o caminho disfarçou, emudeceu
seu rosto nos muros e nas grades.

- Por onde seguiremos
sem que o outono espesso nos trespasse?


(José Bento nasceu a 17 de Novembro de 1932 em Pardilhó, Estarreja)

terça-feira, novembro 16, 2010

Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é doutra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(José Saramago nasceu a 16 de Novembro de 1922)
Anda tudo doido

Se Kafka se reunisse com Fellini na casa de Dalí para aconselhar D. Sebastião numa invasão psicadélica à Atlântida, a lucidez talvez fosse maior.

Pedro Santos Guerreiro no Jornal de Negócios de hoje

segunda-feira, novembro 15, 2010

Minha Sombra

De manhã
a minha sombra
Com meu papagaio e o meu macaco
Começam a me arremedar.
E quando saio
A minha sombra vai comigo
Fazendo o que eu faço
Seguindo os meus passos.

Depois é meio-dia.
E a minha sombra fica do tamaninho
De quando eu era menino.
Depois é tardinha.
E a minha sombra tão comprida
Brinca de pernas de pau.

Minha sombra, eu só queria
Ter o humor que você tem,
Ter a sua meninice,
Ser igualzinho a você.

E de noite quando escrevo,
Fazer como você faz,
Como eu fazia em criança:
Minha sombra
Você põe a sua mão
Por baixo da minha mão,
Vai cobrindo o rascunho dos meus poemas
Sem saber ler e escrever.


(poeta brasileiro falecido em 15 de Novembro de 1953)

domingo, novembro 14, 2010

Hoje

A sensação oca de que tudo acabou
o pânico impresso na face dos nervos
o solitário inverno da carne
a lágrima, a doce lágrima impossível...
e a chuva soluçando devagar
sobre o esqueleto tortuoso das árvores

Ivan Junqueira

(poeta carioca)
Ser Independente da Opinião Pública

Ser independente da opinião pública é a primeira condição formal para realizar qualquer coisa grandiosa ou racional, tanto na vida como na ciência. Com o tempo, este feito será seguramente reconhecido pela opinião pública, que na altura conveniente o transformará em mais um dos seus preconceitos.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, in Filosofia do Direito

sábado, novembro 13, 2010

Ao norte de mim
                  
O mundo gira em círculos,
Cada vez mais fechados.
É como se fosse uma roda,
A moer minhas esperanças
Sem dó nem piedade.

E gira o mundo em mim,
E muda os fusos
E difusos eu fico,
Eu vou.

E olho o norte da
Minha bússola amorosa,
E o magnético aponta
O meu desapontamento.

E fico girando os pensamentos,
Ungüentos dos meus
Sonhos, desejos.
Lembro dos beijos,
Dados em ti.
Do universo de
Encantos do céu
Da tua boca.

E rouca fica a voz,
O violão e o verso.
E no verso dos dias,
Ao norte de mim.

E rola a vida lá fora...
E gira o desejo no peito...

E o meu astrolábio,
Salgado da maresia,
Molhados dos pingos
Das lágrimas
Que caem assim.

Ai! De mim prisioneiro.
Desse olhar que roda, ronda,
Ao norte de mim.

Ivaldo Gomes

(poeta brasileiro)
In memoriam

Morreu ontem Henryk Górecki, compositor polaco de música erudita contemporânea.

A Sinfonia nº 3 para orquestra e soprano, obra que marca a sua transição para o minimalismo, composta em 1976 e tornada conhecida a nível mundial por uma disco lançado pela Elecktra, com David Zinman a conduzir a London Sinfonietta e a portentosa voz de Dawn Upshaw, é de audição obrigatória para qualquer pessoa que aprecie música de qualidade. De preferência para ouvir num bom sistema de reprodução sonora e em completa solidão.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Fragmentos de um coro

Nós
         os de cinza e tempo
nós os de olhar barrado
nós os de céus ardendo
e ventos desfigurados
nós os de mito e queda
nós os de mãos atadas
ecos
         desdobrando
                            gritos
mudos mantos desdobrados
nós silenciados muros
de desesperos caiados
nós cegos irmãos em luto
por mundos manietados
nós sonâmbulos
                   remotos
nós vagos
só recordados
os estáticos andantes
escuramente pisados
nós os egressos da sede
diuturnamente velada
nós o exílio de nós mesmos
viva lâmpada apagada
nós entre o infinito e o medo
esparsos
            desencontrados
nós frios
de cinza e tempo
em tempo e cinza
                       encerrados.


(no 70º aniversário do seu nascimento)

quinta-feira, novembro 11, 2010

Uma vida esquecida

Para o Fernando Alves dos Santos*

Eu conheço o vidro franja por franja
meticulosamente
à porta parado um homem oco
franja por franja no espaço
meticulosamente oco uma porta parada.

Um relógio dá dez badaladas ininterruptamente
dez badaladas por brincadeira dança
um homem com pernas de mulher
e um olhar devasso no Marte
passo por passo uma criança chora
uma águia e um vampiro recuados no tempo.


(António Maria Lisboa faleceu a 11 de Novembro de 1953, com 25 anos de idade)

*(O meu bom amigo Fernando, também ele poeta surrealista e a quem este poema foi dedicado pelo autor, deixou-nos em 1993).

quarta-feira, novembro 10, 2010

Do que eu gostava

Eu gostava que qualquer português maior de 15 anos - e, por maioria de razão, qualquer candidato a Presidente da República - soubesse que os Lusíadas são uma epopeia que se compõe de 10 cantos, já que talvez fosse demasiado pedir que a maior parte soubesse que esses dez cantos se dividem por 1102 estrofes, num total de 8.816 versos alexandrinos. Agonia-me, portanto, a possibilidade de continuar a ter como Presidente da República alguém para quem, muito provavelmente, o Camões é apenas uma praça lisboeta, o Padre António Vieira um pároco de aldeia do cavaquistão, Garrett uma rua chique de Lisboa ali ao Chiado, Camilo um actor de comédia já bastante entrado nos anos e Queiroz um ex-seleccionador nacional de futebol. Se, no dizer de Pessoa, “a minha pátria é a língua portuguesa”, para o Aníbal a pátria não passa de um manual de contabilidade e no 10 de Junho celebra-se o dia da “raça”. Triste sina a nossa.

terça-feira, novembro 09, 2010

Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

Torquato Neto

(o poeta brasileiro Torquato Neto nasceu a 9 de Novembro de 1944 e morreu a 10 de Novembro de 1972)

segunda-feira, novembro 08, 2010

Ação

A maior função do sol:
expulsar os boêmios das ruas.
Neste momento, o maior invento dos séculos:
os óculos escuros - máscara sobre máscara.

Num dia de poucas nuvens e muito céu,
o que fazer com o mundo?
Exaustas todas as fórmulas,
inclusive o suicídio,
o que fazer para o mundo?

Algo a ser feito?

(desconfio não querer respostas, se há jeito)

Isaías Carvalho

(poeta baiano)

(retirado daqui)

domingo, novembro 07, 2010

Inscrição

Quem se deleita em tornar minha vida impossível
por todos os lados?
Certamente estás rindo de longe,
ó encoberto adversário!

Mas a minha paciência é mais firme
que todas as sanhas da sorte:
mais longa que a vida, mais clara
que a luz no horizonte.

Passeio no gume de estradas tão graves
que afligem o próprio inimigo.
A mim, que me importam espécies de instantes,
se existo infinita?


(Cecíla Meireles nasceu a 7 de Novembro de 1901)

sábado, novembro 06, 2010

Os pássaros

Ouve que estranhos pássaros de noite
Tenho defronte da janela:
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens
O peito cor de aurora, o bico roxo,
Falam-se de noite, trazem
Dos abismos da noite lenta e quieta
Palavras estridentes e cruéis.
Cravam no luar as suas garras
E a respiração do terror desce
Das suas asas pesadas.


(Sophia de Mello Breyner nasceu a 6 de Novembro de 1919)

sexta-feira, novembro 05, 2010

O tempo dos homens

O tempo dos homens é feito de pedra,
É feito de carne, de sangue, de dor,
O tempo dos homens é feito de tempo
Que é tempo sem tempo, sem luz, sem amor.

Trezentos e sessenta e cinco dias,
Seis horas,
Uns tantos minutos
E segundos,
Leva o mundo
Para girar girando em torno ao sol,
Em sucessão de
Primavera, Verão, Outono, Inverno,
Sol e Sombra,
Noite e Dia.
Eterna imperturbável harmonia.

Os homens não cansam, não param, não dobram,
Comendo, comendo, sem ver, sem olhar,
Os homens não pensam, não falam, não dormem,
No tempo sem tempo do tempo a passar.

Ildásio Tavares

(poeta baiano)

quinta-feira, novembro 04, 2010

Rondó da Liberdade

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer. 

Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão. 

Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas. 

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento. 

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.


(revolucionário brasileiro assassinado pelos esbirros da ditadura militar no dia 4 de Novembro de 1969)
Indiferença

Rayong, Thailand: Uma marine estado-unidense desmaiou durante a cerimónia de abertura do exercício militar anual combinado Cobra Gold 2010 no aeroporto de U-Tapao. Bem podia morrer, pois ninguém lhe ligou. Se calhar o lema dos marines “nenhum homem fica para trás” aplica-se mesmo só aos homens.

Fotografia: Pornchai Kittiwongsakul/AFP/Getty Images

quarta-feira, novembro 03, 2010

Rito de passagem

Entre a luz e a sombra
movimenta-se o homem
antes do fim

No meio do nada
aguarda
a nova estação:

um corpo novo talvez
e a mesma
aura

Iara Vieira

(poetisa sergipiana)
Sedes e campanhas

Ouvi na televisão que a sede de campanha do cidadão Cavaco Silva fica na Av. da Liberdade, em Lisboa, uma artéria onde o preço do metro quadrado é dos mais altos de Portugal, senão mesmo o mais alto. Como o mesmo cidadão prometeu não onerar excessivamente o erário público com gastos de campanha eleitoral, porque é que a sua sede de campanha não continua a ser o Palácio de Belém, que há mais de seis meses vem desempenhando muito bem esse papel? Ninguém se ia aperceber se lá morava o Presidente da República ou o candidato e além de poupar algum nos autedóreses poupava muito mais nas rendaze.

terça-feira, novembro 02, 2010

A Canalha

Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo nem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pelos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrem.


(Jorge de Sena nasceu em 2 de Novembro de 1919)

segunda-feira, novembro 01, 2010

Brasil em frente!

As casas

após longa espera
nada aconteceu

as casas continuaram baixas

tão baixas
que muitos de seus habitantes rastejavam
enquanto outros desistiam de antigas reivindicações

Horácio Dídimo

(poeta brasileiro)