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domingo, outubro 31, 2010

O mundo é grande

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


(Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de Outubro de 1902)

sábado, outubro 30, 2010

Ditado popular

A brincar às palhaçadas tão depressa se apanha um coelho como um mentiroso.

CANCIÓN ÚLTIMA

Pintada, no vacía:
pintada está mi casa
del color de las grandes
pasiones y desgracias.

Regresará del llanto
adonde fue llevada
con su desierta mesa
con su ruidosa cama.

Florecerán los besos
sobre las almohadas.
Y en torno de los cuerpos
elevará la sábana
su intensa enredadera
nocturna, perfumada.

El odio se amortigua
detrás de la ventana.

Será la garra suave.

Dejadme la esperanza.


(Miguel Hernández Gilabert nasceu a 30 de Outubro de 1910 e morreu a 28 de Março de 1942, preso às mãos do sanguinário ditador Francisco Franco)

sexta-feira, outubro 29, 2010

Papel Picado

O poema esfarelou-se
na máquina de lavar roupa

O poema incorporou-se
à minha calça do avesso


(poeta brasileiro nascido a 29 de Outubro de 1948)

quinta-feira, outubro 28, 2010

 A oferenda    

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.

Mário Quintana
Ousou afrontar o sistema

O estatuto de herói no seu país do ex-presidente da Argentina – e marido da actual presidente – Néstor Kirchner, falecido ontem aos 60 anos de idade, é ocultado pela nossa imprensa, já que ele era um homem que não estava nas boas graças da capital do império.

Chegado ao poder em 2003, depois da profunda recessão de 1998-2002 que atirou a maioria da população – até então uma das mais prósperas da América Latina – para baixo do limiar da pobreza, desafiou o FMI, não cedendo às suas imposições e tendo, até, a suprema ousadia de entrar temporariamente em incumprimento da dívida para com o próprio Fundo. Contra tudo e contra todos, desde os pretensos “sábios” até aos bitaiteiros profissionais, conseguiu um crescimento anual de 8% durante o seu mandato, retirou da pobreza extrema mais de dez milhões de concidadãos (25% da população) estabilizou o valor da moeda, liquidou totalmente a dívida ao FMI e contribuiu decisivamente para o enfraquecimento da instituição na região e para as políticas progressistas de vários outros países.

No campo dos direitos humanos empreendeu uma política de julgamento impiedoso - obrigando-os a sentar o cu no mocho, como diz com piada um amigo da blogosfera - dos facínoras da ditadura militar que levou à condenação, um após outros, de vários torcionários.

O conceituado economista (do sistema) estado-unidense Mark Wisbrot faz aqui uma resenha bastante completa do contributo de Néstor Kirchner para o avanço das consideráveis conquistas sociais conseguidas na América Latina nos últimos oito anos. Não haverá por cá alguém parecido para salvar o nosso barco do naufrágio?

quarta-feira, outubro 27, 2010


O dia é um rio. E nele
bebo as estrelas do céu
e recrio
nos remansos de cobras
os bambuzais.
Ao léu, penso ovelhas,
penso folhas que não caem,
carícias de vento nos coqueirais
- a vida que se disfarça.

             Do trem que não passou,
             penso a fumaça.

Lenilde Freitas

(poetisa brasileira)

(Graciliano Ramos nasceu a 27 de Outubro de 1892)

terça-feira, outubro 26, 2010

Espuma

Sois (e amar-vos é sonhar?)
alva, esguia e encantadora...
Sois uma pluma? um luar?

Sois (e amar-vos é chorar...)
alma fria e enganadora!
Sois uma espuma... num Mar!


(poeta brasileiro nascido a 26 de Outubro de 1894)
Fundamentalismos














O aiatola Luigi Bobbio, presidente da câmara da cidade italiana de Castellammare di Stabia e acólito das missas d’Il Cavaglieri, deu ordens à polícia para multar mulheres que usem mini-saias ou decotes “exagerados”, na sequência de uma resolução aprovada pelo Conselho da cidade no Domingo à noite.

O aiatola disse que não precisarão de fazer medições e que será suficiente uma olhadela para decidir se devem multar ou não, mas parece que levarão pela tabela grande todas aquelas que mostrem algo de roupa interior, pelo que será natural que muitas passem a sair à rua sem cuecas e sutiãs.

Por mim, recomendo às conterrâneas minhotas dançadeiras de folclore que usam aquelas bragas de gola alta com rendinhas – também conhecidas por culotes - por baixo das saias rodadas que se abstenham de passar por cidade tão abstrusamente (in)decorosa.

segunda-feira, outubro 25, 2010

Semente do Deserto

No alto sertão da minha terra
Cai, misteriosa, uma semente
Que a outras sementes move guerra.

Onde ela nasce, de repente,
- Seara de mão cruel e ignota -
A relva murcha, suavemente.

E nas planícies onde brota,
E onde nem sempre é conhecida,
Toda a campina se desbota...

 (Semente bárbara e remota,
Quem te semeou na minha vida?)


(poeta brasileiro nascido a 25 de Outubro de 1886)

domingo, outubro 24, 2010

O preço

Ninguém sabe
do dia que nasce
o que será
perda ou ganho.

Hilton Deives Valeriano

(poeta  paulista)

sábado, outubro 23, 2010

Quinta Colina

A roldana palitava
a boca da cisterna

e o pescoço da luz vestia
o poncho do vento


(poeta gaúcho nascido em 23 de Outubro de 1972)

sexta-feira, outubro 22, 2010

Ditirambo 

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade  


(poeta paulista, falecido em 22 de Outubro de 1954)

quinta-feira, outubro 21, 2010

Sobras

De vassoura em punho,
varre-se o pó das máculas,
muda-se o rumo das cores,
o sumo das vidas.

O que resta de todo caso,
senão cansaço?
O que vale mudar a vida,
senão metáforas?
O que é enfrentar o mundo,
senão descanso?
O que pode um poema fazer,
senão palavras?

Carlos Alberto Francovig Filho

(poeta paranaense que hoje completa 50 anos)

quarta-feira, outubro 20, 2010

Coração desajeitado

Derrubando
Tropeçando
Esbarrando
Confundindo.

Até o coração é desajeitado.

Herculano Neto

(poeta baiano)

terça-feira, outubro 19, 2010

Amor e lágrimas

Ouve o mar que soluça na solidão
Ouve, amor, o mar que soluça
Na mais triste solidão
E ouve, amor, os ventos que voltam
Dos espaços que ninguém sabe
Sobre as ondas se debruçam
E soluçam de paixão
E ouve, amor, no fundo da noite
Como as árvores ao vento
Num lamento se debruçam
E soluçam para o chão


(Vinicius de Moraes nasceu a 19 de Outubro de 1913)

segunda-feira, outubro 18, 2010

Um coelho atarantado...















... numa pequena clareira deserta de ideias (e de tocas)
Que é - simpatia

Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.

Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.

São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.

Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que m'inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!


(hoje é o sesquicentenário  da morte de Casimiro de Abreu)

domingo, outubro 17, 2010

Poema dum Funcionário Cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só


(António Ramos Rosa nasceu em 17 de Outubro de 1924)

sábado, outubro 16, 2010


Nas tuas mãos tomaste uma guitarra.
Copo de vinho de alegria sã
Sangria de suor e de cigarra
que à noite canta a festa da manhã.

Foste sempre o cantor que não se agarra
O que à Terra chamou amante e irmã
Mas também português que investe e marra
Voz de alaúde e rosto de maçã.

O teu coração de oiro veio do Douro
num barco de vindimas de cantigas
tão generoso como a liberdade.

Resta de ti a ilha de um Tesouro
A jóia com as pedras mais antigas.
Não é saudade, não! É amizade.

José Carlos Ary dos Santos
Calendário

Calada floração
fictícia
caindo da árvore
dos dias

Henriqueta Lisboa

(poetisa mineira)

sexta-feira, outubro 15, 2010

Os Olhos do Poeta  

O poeta tem olhos de água para reflectirem as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gelos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas prò mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

quinta-feira, outubro 14, 2010

The Budget



























Estreia amanhã, num hemiciclo perto de si, a superprodução "O Grande Assalto", drama sangrento produzido nos estúdios FMI & BCE, dirigido por Pinto de Sousa e protagonizado por Teixeira dos Santos. A Banda sonora é das estrelas de death metal "Cut Their Wages", numa adaptação sinistra do clássico dos Beatles, Taxman.
Pistas

À noite as ruas, sonâmbulas,
correm por dentro da luz dos postes,
farejando o dia, buscando pistas do sol

(e os ônibus passam por cima de todos
os poemas noturnos).

Henrique Wagner

(poeta brasileiro)

quarta-feira, outubro 13, 2010

Auto-retrato

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.


(Manuel Bandeira faleceu em 13 de Outubro de 1968)
Fátima e São Bento

Há 93 anos dezenas de milhares de pessoas disseram que, para os lados da Cova da Iria, viram as nuvens dissiparem-se após uma chuva torrencial e o Sol a “dançar” durante cerca de 10 minutos, facto que ainda hoje milhões acreditam ter sido uma realidade. Houve mesmo quem afirmasse ter visto figuras antropomórficas dentro da nossa estrela.

Por mim não dou crédito a esses relatos, embora também não me afirme totalmente pela impossibilidade científica de tal fenómeno. É que se o Sol tiver sentido de humor, o instinto de avestruz tão característico do tugalismo e lhe fugir a perna para a dança, vai aparecer dentro de algum tempo sobre os telhados de São Bento, não para “danciar el tiango por que non tiene pareja”, mas para exibir as suas vestes douradas em eróticas danças de ventre, afivelando máscaras de várias personagens do hemiciclo e arredores. A borrasca continuará a seguir.

terça-feira, outubro 12, 2010

Disponibilidade

Vem ver a vida
Passear silenciosamente
Como a ave no ar claro.

Vê-a que desce. Prende-a.
Nas tuas mãos em concha
Fica um instante.

Deixa-a fugir. Outras há.

segunda-feira, outubro 11, 2010

De Tudo Ficaram Três Coisas

De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que estamos começando,
A certeza de que é preciso continuar e
A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar
Fazer da interrupção um caminho novo,
Fazer da queda um passo de dança,
Do medo uma escola,
Do sonho uma ponte,
Da procura um encontro,
E assim terá valido a pena existir!


(escritor brasileiro falecido em 11 de Outubro de 2004)

domingo, outubro 10, 2010

Geometria

paralela ao espelho
avanço
nos pontos
e nas linhas
que me traçam

as côncavas mãos
onde
me elipso

no riso horizontal
meu rosto
vertical ao
pranto

Helena Parente Cunha

(poetisa baiana)
Descanso do “guerreiro”













Um bebedor, vestido com o traje tradicional bávaro, tenta “curar-se” no festival da cerveja de Munique.

Imagem: Christof Stache/AFP/Getty Images
Elegia das águas negras 


Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.

Pálidas vozes em prado procuram
O potro mais livre, a palmeira
mais alta sobre o lago, o barco talvez
Ou o mel entornado da nossa alegria.

Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol do meio-dia,
a face viva do sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.

A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.

Cada palavra tua é um homem de pé;
cada palavra tua
faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos contigo
no coração em redor do fogo.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, outubro 08, 2010

Estranhos conceitos

Fiquei a saber ontem, pela boca do nosso ex quase tudo (comunista, socialista, serventuário da CIA e do FMI, primeiro ministro, líder partidário, presidente da república por uma década – pausa para um arroto a sapo engolido na 2ª volta da primeira eleição  – candidato à presidência, amigo do poeta e uma série de outras coisas), que o conceito de democracia do invejoso mor das letras, ponta de lança do império na luta desesperada pela manutenção da América latina como quintal das traseiras do grande vizinho do norte, grande admirador de Thatcher e Aznar, apoiante incondicional da guerra do Iraque e agora agraciado com o prémio Nobel da Literatura, passa por ir ao Gambrinus sem mesa marcada. Grande “democrata”!

quinta-feira, outubro 07, 2010

Soco

essa lágrima que dói
esse sufoco
essa boca seca

sempre esse eco
no espaço chumbo
esse galho
que escurece
e cai

Helena Ortiz

(poetisa brasileira)

quarta-feira, outubro 06, 2010

O Dom

Defronte à matriz do tempo
interrogo uma vez mais as noites
através da fala irônica dos loucos
ou do sorriso ingênuo dos filósofos

José Vicente Lopes

(poeta cabo-verdiano que hoje completa 51 anos)

terça-feira, outubro 05, 2010

Viva a República!

Panfleto

Fere-me esta idolatria mais do que todos os crimes:
Tanto fervor desviado e perdido!
Tanta gente ajoelhando à passagem do tempo
e tão poucos lutando para lhe abrir caminho!

Há uma vida inteira a jogar e gastar
no pano verde imenso das campinas do mundo.
Há desertos cativos de uma ausência dos povos.
Há uma guerra devastando a vida,
enquanto a supuserem redimida!

E em nós a redenção quase perdida!...

Vamos rasgar, ó poetas, esta mentira da alma,
vamos gritar aos homens que os enganam,
que não é a força, que não é a glória,
que não é o sol nem a lua nem as estrelas,
nem os lares nem os filhos, nem os mares floridos,
nem o prazer nem a dor nem a amizade,
nem o indivíduo só compreendendo as causas,
nem os livros nem os poemas, nem as audácias heróicas,
— a redenção sou eu, se formos nós sem forma,
sem liberdade ou corpo, sem programas ou escolas!

Aqui está a redenção. Tomai-a toda.
E se é verdade a fome,
se é verdade o abismo,
se é verdade o pensamento úmido
que pestaneja ansioso nos cortejos públicos,
se são verdade as redenções que mentem:

Matem essa gente para salvar a Vida!
E matem-me com elas para que as queime ainda!

Jorge de Sena

segunda-feira, outubro 04, 2010

Grande carraspana

No mês passado, um polaco residente na cidade alemã de Bochum foi ao hospital para lhe ser removido aquilo que ele pensava ser um quisto na parte de trás da cabeça, e o que os médicos encontraram foi uma bala de calibre .22.

Confrontado com o projéctil de 5.6 mm, o homem recordou-se de que tinha recebido um golpe na cabeça por volta da meia noite de uma festa de passagem de ano em 2004 ou 2005, mas tinha-se esquecido do assunto porque estava “muito bêbado.

A polícia não está a tratar o assunto como suspeito porque considera que a bala deve ter-se alojado na cabeça do polaco quando um pândego qualquer disparou um arma para celebrar o novo ano.

Piela de caixão à cova e cabeça dura, é o que é.

domingo, outubro 03, 2010

A GRADE

Agora, a mansão à beira do lago já está
        concluída, e os trabalhadores estão
        começando a grade.
São barras de ferro com pontas de aço, capazes
        de tirar a vida de qualquer um que se
        arrisque sobre elas.
Como grade, é uma obra-prima e impedirá a
        entrada de todos os famintos e vagabundos
        e de todas as crianças vadias à procura de
        um lugar para brincar.
Entre as barras e sobre as pontas de aço nada
        passará, exceto a Morte, a Chuva e o Dia de
        Amanhã.

Carl Sandburg

(poeta estado-unidense)

(Tradução: Carlos Machado)

sábado, outubro 02, 2010

Muros

Muros de cinzas azuis nos olhos
- para ninguém entrar.

Nem o mundo, nem as asas, nem o sol,
nem o suor das flores.

Apenas a tristeza
da solidão dos espelhos desabitados.

José Gomes Ferreira
In vino veritas

Que a pomada da Quinta da Bacalhôa é boa já eu sabia, embora só me tenha passado pelo estreito escassas vezes e em diminuta quantidade. O que não sabia e fiquei a saber um dia destes é que o Fundo de Resgate do Euro tinha sido acordado sob a influência dos eflúvios deste néctar português num lauto jantar no palácio da Quinta. Uma investigação de três jornalista de economia do The Wall Street  Journal encarregou-se de dar a conhecer esta magna questão.

sexta-feira, outubro 01, 2010

Água, música e tinto

Hoje é o Dia Nacional da Água e o Dia Mundial da Música. Para lembrar dignamente as efemérides, vou beber um bom tinto e ouvir música de intervenção, que os tempos estão a reclamá-la outra vez.
O GRITO

se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua  os carros  o espaço  o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre  tem o direito de não sofrer

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer  doer  doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse

Renata Pallottini

(poetisa paulista)